“As coisas estão no mundo,
só que eu preciso aprender…”
[Paulinho da Viola]
Mas o que se discute nesses eventos? E mais importante: que influência têm sobre os respectivos processos decisórios?
Tomando-se como exemplo aquelas 3, observam-se apenas pequenas diferenças nos títulos das convocações, cada vez mais padronizadas. Há, todavia, aspectos comuns, importantes, que 3 palavras sintetizam: aprimoramento, documentos (disponibilizados) e contribuições (inclusive esta é a expressão formal das participações da sociedade civil nos processos).
E são sintomáticas: revelam que o estratégico intenta-se estar previamente definido, e que o espaço de discussão e eventuais modificações, no processo, está limitado ao “como” implementar-se: i) em alguns casos ainda mais: apenas “… esclarecer eventuais dúvidas sobre os documentos submetidos à Consulta Pública”; ii) mesmo em se tratando do “como”, procedimentos das consultas/audiências e mecanismos de acesso tratam de evitar que as discussões e “contribuições” abranjam aspectos mais amplos (políticas públicas, macro-planejamento, regulação, etc): é o caso de “contribuições” por itens do Edital ou Minuta de Contrato, que “…deverão ser preenchidas exclusivamente nos campos apropriados do formulário eletrônico”, como previsto nas normas dos recentes arrendamentos de celulose em Santos (AP-09/2019-ANTAQ); iii) … o que não impede um sincretismo de temas e graus nas intervenções orais, como se viu na audiência pública da Codesa.
O resultado global é que as discussões geralmente ficam comprometidas e o aproveitamento das “contribuições” é pequeno; mesmo daquelas na linha do desiderato governamental. Por outro lado, quase sempre os governos logram “aprovar” suas intenções (no processo de consulta/audiência pública e nos Tribunais de Contas); mas com legitimação baixa, ou apenas aparente, da sociedade civil… o que pode ser uma das causas de tantas descontinuidades de planos e projetos, e de obras paralisadas!
Evidentemente há diferenças, em natureza e grau, entre um arrendamento “brown-field” em porto organizado (com centenas de precedentes); uma outorga de malha ferroviária que demandaria ampla e prévia reorganização para maximização de resultados; e uma mudança (pioneira) de modelo de autoridade-administradora. Por isso é difícil entender-se tratamentos similares. Mas há experiências que podem “contribuir” para o “aprimoramento” das audiências públicas e processos decisórios de infraestrutura:
Grandes corporações, p.ex, adotam segmentações, explícitas, para processos decisórios estratégicos: normalmente 3. Talvez o mais conhecido seja o “Front End Loading – FEL” (farta literatura disponível, inclusive na internet). Ele denomina a transição das etapas, estanques, de “portas”, cuja ultrapassagem exige: i) aprovação de diversas premissas, diretrizes e/ou condicionantes; ii) por instâncias competentes; via iii) instrumentos formais.
Muitos países também adotam processo decisório similar para decisões disruptivas e/ou irreversíveis. Normalmente com exigência de aprovação parlamentar e, em alguns casos, de dupla votação em legislaturas distintas!
Licenciamento ambientais (a partir da Lei nº 6.938/81) passam também por 3 etapas: licença prévia – LP, de instalação – LI e de operação – LO (art, 8º da Res. Conama nº 237/97).
Para a LP, que precisa ser submetida a uma audiência pública, o foco analítico é a pertinência daquele empreendimento; naquele sítio e situação. Para tanto é analisado o fazer X não fazer (Art. 5°, I; Art. 9º, V da Res. Conama nº 01/86); aspectos positivos e negativos, do econômico, social e ambiental (Art. 6º, l e ll); medidas mitigatórias (lll e IV) e compensatórias (art. 36 da Lei nº 9.985/00). Só nas etapas de instalação e operação são aprofundadas análises do “como”; mesmo porque, caso não ultrapasse a etapa “prévia”, seria trabalho desperdiçado. Certo?
Espelhando-se nessas boas práticas, por que não se introduzir uma primeira etapa para decisões disruptivas ou irreversíveis em infraestrutura de transportes? E para projetos “green-field” de porte?
Esta seria uma etapa estanque e formal, na linha de FEL-1 ou LP. Ainda antes da submissão para “qualificação” do PPI (ou seus congêneres estaduais e municipais) e contratação de consultores (podendo até subsidiar o respectivo termo de referência para sua contratação), tal etapa incluiria uma 1ª audiência pública fundada apenas nos dados “da casa” que balizaram a convicção e intenção do poder público.
Ganhos na hierarquização das decisões são patentes. Na transparência das variáveis envolvidas, do decidido e suas razões também. Na legitimação pública dos planos e projetos nem se fala. E, ao contrário do que possa parecer, até nos prazos, energia e despesas envolvidas pode/deve haver ganhos.
Fica a “contribuição”; que vale para ferrovias e portos, como exemplificado. Mas também para trens metropolitanos e regionais, linhas/redes de metrô, VLT, BRT e ônibus. Enfim, para decisões estratégicas de infraestrutura e serviços públicos em geral.
Frederico Bussinger é consultor, engenheiro e economista. Pós-graduado em engenharia, administração de empresas, direito da concorrência, e mediação e arbitragem. Foi diretor do Metrô / SP, Departamento Hidroviário (SP) e Codesp. Presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e Confea. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas. Presidente do Consad da CET / SP, SPTrans, RFFSA; da CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Secretário Municipal de Transportes (SP) e Secretário Executivo do Ministério dos Transportes. Consultor da ANTP. Membro do Consad / Emplasa e da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização.
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