Hegemonia rodoviária

Mesmo com ações necessárias de incentivo ao desenvolvimento de outros modais, o transporte rodoviário seguirá ainda por muito tempo como o grande distribuidor de cargas e passageiros pelo território brasileiro

Roberto Hunoff
roberto@transpodata.com.br

Estradas e ruas, pavimentadas ou não, seguem como o principal meio usado para o deslocamento de pessoas e cargas pelo território brasileiro. Condição que se estabeleceu na década de 1950, com a implantação da indústria automobilística no Brasil, que criou as condições para a ampliar a distribuição de cargas e locomoção de passageiro.

Ainda que haja um movimento da migração para outros modais, o rodoviário ainda representa em torno de 70% de todas as cargas transportadas. A frota atual de caminhões supera o número de 2,6 milhões unidades, de acordo com o levantamento de agosto deste ano do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC), instituído por lei em 5 de janeiro de 2007 e gerido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A estimativa é de que esta frota tenha idade média de 14 anos.

A ferramenta também informa que são perto de 1,2 milhão de registros, divididos dentre transportador autônomo de cargas (TAC), categoria que responde por 75,5% do total; empresa de transporte rodoviário de cargas (ETC), com 24%; e cooperativa de transporte rodoviário de cargas (CTC), com 0,5%. No entanto, as empresas são responsáveis por 61,5% da frota; os autônomos por 37%; e as cooperativas por 1,5%.

O primeiro registro estatístico da produção e do mercado interno de caminhões data de 1957. Naquele ano, de acordo com o Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as sete marcas então existentes, das quais quatro ainda ativas, montaram 16.259 unidades, enquanto o mercado consumiu 18.063. Em 2021, a produção somou 158.810 caminhões e comerciais leves. O melhor momento foi registrado em 2011, com 223.062 unidades. Atualmente, existem 13 marcas produtoras e mais quatro importadoras.

AVANÇOS TECNOLÓGICOS

Nos últimos anos, especialmente a partir de 2012, o setor passou por profundas transformações tecnológicas. Criado em 2012, com vigência entre 2013 e 2017, o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, o Inovar-Auto, acelerou o desenvolvimento de tecnologias no segmento. O objetivo do regime foi o de criar condições para o aumento de competitividade no setor, produzir veículos mais econômicos e seguros, investir na cadeia de fornecedores, em engenharia, tecnologia industrial básica, pesquisa e desenvolvimento e capacitação.

O mais recente movimento é a instituição do Programa Renovar por meio da MP 1.112, publicada no início de abril pelo governo federal, e voltado inicialmente para caminhões, ônibus e implementos rodoviários. Por meio de um aplicativo que centralizará todo o programa, o proprietário de um veículo pesado com mais de 30 anos poderá entregá-lo para reciclagem e receber o valor de mercado, mais o da sucata. E se quiser adquirir um veículo mais novo, poderá ter benefícios de outros atores integrados ao aplicativo, como governos estaduais e municipais, além de fabricantes, concessionários, bancos e frotistas.

A agregação de tecnologias como o Euro 5 e, para este ano, do Euro 6, demandadas por legislações federais, se alinha aos movimentos de redução das emissões e busca de melhorias ambientais, exigindo motores mais sofisticados e diesel de melhor qualidade. Os indicadores de 13 mil ppm, toleráveis em 2000, caíram para atuais 500 ppm e devem seguir em queda com o Euro 6. No aspecto ambiental, o caminhão elétrico tem avançado rapidamente no segmento de leves para atender o transporte urbano e de pequenos volumes.

A segurança veicular também tem exigido avanços, com incorporação do sistema de freios com ABS e controle diversos, como de estabilidade, de faixas e de reconhecimento de pedestres, dentre outros. Outras novidades são demandadas pelo próprio mercado ou desenvolvida pelas marcas. Dentre estas, destacam-se a telemetria e a conectividade que asseguram aos clientes o acompanhamento em tempo real das condições de uso do seu ativo, inclusive quando em manutenção nas concessionárias. De iniciativa de marcas emergem, por exemplo, a substituição dos espelhos retrovisores pelas câmaras internas, as rodas de alumínio e os câmbios automatizados.

Como será o futuro dos caminhões já começa a ser delineado. Os modelos movidos por energia elétrica já são uma realidade, com produção local e presença cada vez mais intensa de importados. A tecnologia permitirá a redução da emissão de gases e trará redução nos custos de manutenção. Mas ainda precisa romper barreiras como o elevado custo de compra e o reabastecimento com abrangência nacional.

Outra tecnologia que surge como tendência é a dos caminhões autônomos, já reais nos mercados mais desenvolvidos. No Brasil, já há experiências em áreas fechadas, como na mineração e colheita da cana de açúcar. Sua aplicação em espaços abertos, no entanto, ainda segue no plano das ideias.

MERCADO DETERMINANTE

Um segundo movimento que mexeu fortemente com o mercado foi a migração das vendas de modelos médios para os pesados e extra pesados, resultado da forte expansão do agronegócio. Os modelos praticamente dobraram a participação, de 35% para perto de 70%. Na outra ponta, movimento similar com os modelos leves, acima de 3,5 toneladas, para atender o crescimento do e-commerce. Estas situações mudaram o perfil do mercado, tornando o transportador mais profissional e exigente por tecnologias para fazer frente ao atendimento dos projetos em logística e centros de distribuição. A frota conectada passou a ser condição imprescindível.

Mudanças no segmento de implementos rodoviários também foram provocadas pelo mercado. De acordo com a entidade representativa do setor, a Associação Nacional de Fabricantes de Implementos Rodoviários (ANFIR), de 2004 a 2018 prevaleceu o domínio dos modelos de chassi sobre carroceria, que tinham participação média de 60% a 65% nos volumes. Com o aumento da produção agrícola, a situação se inverteu em 2019, elevando a representatividade dos reboques e semirreboques, que chegaram a 55% no ano passado.

Também houve uma mudança de modelo mais usado pelo mercado. O graneleiro perdeu a sua condição de líder para o basculante, que se reinventou com novas ligas de aço, permitindo a redução brusca de peso, além da facilidade ao usuário de carga e descarga. Outras possibilidades devem ocorrer nos modelos de carga fechada em alumínio e lonado, que tendem a ganhar mercado.

GENUINAMENTE NACIONAIS

Ao contrário do mercado de caminhões, dominado por multinacionais, a produção de implementos rodoviários é genuinamente nacional e com unidades produtoras espalhadas por 16 estados. A maioria das fabricantes é de pequeno porte, com cerca de 75% a 80% da produção concentrada em cinco grandes marcas. Em 2004, primeiro ano de estatísticas de emplacamentos, foram entregues 83.816 unidades. Em 2021, o número subiu para 162.674. De acordo com dados da Anfir, a frota atual de implementos é de 1 milhão 350 mil unidades, com idade média estimada de 10 a 13 anos.

Boa parte das tecnologias introduzidas nos implementos teve origem em legislações, como ABS, EBS, para-choque e protetor de ciclistas. Outras vieram do mercado, com a contribuição para o desenvolvimento de algumas especificidades de uso off road e outras para rotas rodoviárias, como a recente chegada 4º eixo com PBTC de 58,5 toneladas.

Dentre os grandes ganhos do setor nos últimos anos foi a redução de peso do implemento. Para chegar a estes novos padrões de peso para elevar a carga líquida transportada, os fabricantes incorporaram aços de alta resistência, mais leves e duráveis. Mais recentemente adicionaram o nióbio e projetam a nanotecnologia para breve.

De forma a reduzir emissões e melhorar o TCO, o desenvolvimento é feito em eixos regenerativos visando gerar energia para tração. Uma das mais recentes novidades é o Hybrid R com sistema de tração auxiliar elétrico e-Sys, tecnologia liderada pela Suspensys, uma das controladas das Empresas Randon.

A conectividade é outra linha de investimentos para garantir que o equipamento seja monitorado mesmo quando desacoplado. A tecnologia atende demanda muito forte do mercado de aluguéis, que cresce no setor. Outras possibilidades futuras são o uso da energia fotovoltaica, já em testes em alguns modelos baús, para acionar iluminação e geração de notas fiscais, dentre outras funcionalidades.

MUITO ESPAÇO PARA CONQUISTAR

O segmento de passageiros tem no transporte urbano o seu principal mercado. A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) estima que, em 2021, foram realizadas 33,2 milhões de viagens por passageiros pagantes por dia, número 32% inferior ao ano de 2019. Os dados consideram somente o sistema de nove capitais brasileiras: Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Juntos, respondem por mais de 35% da frota nacional e da quantidade de viagens realizadas em todas as cidades brasileiras atendidas por sistemas organizados de transporte público por ônibus.

A entidade estima que esses sistemas estejam presentes em 2.703 municípios, com atendimento por cerca de 1,6 mil operadoras. Ou seja, faltam sistemas de transporte organizado em praticamente 50% dos municípios brasileiros. A idade média atual é a maior verificada nos últimos 30 anos, chegando a seis anos e 11 dias.

Outro segmento importante é o de transporte por linhas intermunicipais, interestaduais e internacionais. A Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), que representa o setor, estima que as operadoras transportam em torno de 50 milhões de pessoas por ano. Outras atividades representativas no segmento de ônibus são as de fretamento, turismo e escolar.

Os registros oficiais mais antigos sobre o mercado de ônibus no Brasil datam de 1957, quando foram produzidos 2.246 chassis, dos quais 1.904 receberam emplacamento. As primeiras exportações, de acordo com o anuário da Anfavea de 2021, ocorreram em 1961 com 380 embarques.

As indicações para carroçarias, no entanto, estão disponíveis somente a partir de 1971. Os dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus (Fabus), apontam 4.331 unidades produzidas naquele ano, sem especificar o destino final. Isto só ocorre em 1978, com a produção de 10.683 carroçarias, das quais 10.087 ficaram no Brasil e 596 ganharam o mercado externo. Dos anos mais recentes, o melhor foi o de 2011, com 34,5 mil entregas e, o pior, 1999, com 10,6 mil.

Mesmo com um mercado oscilante, a indústria atuou fortemente no desenvolvimento tecnológico de chassi e carroçarias. Os avanços mais significativos foram a chegada dos motores eletrônicos, que melhoraram o desempenho dos veículos e reduziram o consumo de combustível. Outra preocupação foi com a segurança veicular, com freios mais eficientes e incorporação do ABS, bem como a substituição das suspensões metálicas pelas pneumáticas, o que também trouxe avanços no conforto.

Outro avanço significativo no mercado de ônibus tem sido a incorporação gradual de fontes alternativas de combustível, como a eletrificação e o gás natural veicular. A Mercedes-Benz foi a primeira a anunciar, em 2021, a produção nacional do chassi 100% elétrico. A marca confirmou a venda das 100 primeiras unidades, que serão entregues a operadores de São Paulo a partir do fim de 2022 até o começo de 2023. Inicialmente, a carroçaria foi montada pela Caio, de Botucatu (SP).

Outra iniciativa é da BYD que colocou para testes na cidade de São Paulo um superarticulado 100% elétrico. O modelo D11B, com chassi fabricado em Campinas (SP), já passou pelos requisitos de frenagem, tempo de carga do sistema pneumático, aceleração e outros pontos que dizem respeito ao desempenho. O modelo testado nas ruas de São Paulo tem 22 metros de comprimento e capacidade para 170 passageiros.

A Scania, por sua vez, desenvolveu o primeiro ônibus rodoviário do Brasil movido a gás natural veicular e/ou biometano para o fretamento. O modelo está em uso pela Turis Silva no transporte de trabalhadores da usina de aços especiais da Gerdau, localizada em Charqueadas, RS. O modelo K 320 4×2 tem propulsor traseiro Euro 6, de 320 cavalos de potência, e movido 100% a gás e biometano, ou mistura de ambos.

A Marcopolo, de Caxias do Sul, que participa do projeto da Scania, também resolveu investir em um ônibus elétrico, que deve chegar ao mercado no início de 2023. O modelo será ofertado ao mercado na versão integral. O primeiro Attivi terá carroçaria Paradiso New G7, comprimento de 13 a 25 metros e capacidade para 89 passageiros sentados e em pé. A produção das 30 primeiras unidades teve início em agosto.

SEGURANÇA E CONFORTO

Nas carroçarias, os grandes avanços se concentraram na segurança e no conforto de passageiros e motoristas. As principais foram a obrigatoriedade dos cintos de segurança, o sistema anti-tombamento, a fixação dos assentos, a flamabilidade de materiais e a proibição de circulação dos modelos urbanos com as portas abertas.

Foram também adotadas medidas para melhorar a visibilidade do motorista, com a diminuição dos pontos cegos, e adoção da proteção dianteira vinculada com a coluna de direção. Outro avanço recente, decorrente da pandemia da covid-19, foi a incorporação de itens de biossegurança, alguns dos quais em definitivo.

No conforto, os avanços se concentraram na renovação de ar interno, com ar-condicionado mais potente e melhor distribuição do ar, menor vibração e ruído interno. Com a eletrônica embarcada, foi possível melhorar os sistemas de som e vídeo, abrindo oportunidades para televisão, streaming e internet a bordo. Também houve a preocupação com a inclusão social e acessibilidade por meio do uso de elevadores em todos os ônibus rodoviários.

Outra ênfase foi dada na redução do peso dos veículos, que atualmente tem uma tonelada a menos em relação aos modelos do passado. Para alcançar os objetivos, houve a substituição de materiais, com uso maior de recicláveis, como alumínio, plástico injetado e novas composições químicas. Com o mesmo objetivo foi feita pesquisa sobre a aerodinâmica, resultando no reposicionamento dos espelhos mais à frente, o que gerou redução de mais 1% a 2% no consumo de combustível. Com a substituição dos espelhos por câmeras, é possível acrescentar mais 0,5% de redução.

Com a adoção do terceiro eixo, surgiram os modelos rodoviários high e double decker, elevando a capacidade de transporte, sem sobrecarregar as rodovias. Também oportunizou mudança na lei para permitir ônibus de 14 metros. No segmento de urbano, uma das principais novidades é a bilhetagem eletrônica, que está viabilizando a retirada dos cobradores.

O DESAFIO DAS ESTRADAS

A despeito da expressiva participação do modal rodoviário na matriz de transportes, há poucos trechos pavimentados no Brasil em relação à sua área total. Estudo mais recente indica que a malha rodoviária brasileira era de 1.720.700 quilômetros, sendo que apenas 12,4% com pavimentação, ou seja, menos de 213,5 mil quilômetros. Os dados foram levantados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Na avaliação da entidade, a evolução da malha rodoviária no Brasil, ao longo dos anos, tem sido insuficiente para atenuar as disparidades em relação a outros países e, ainda, para acompanhar as crescentes demandas internas de transporte. Consideradas apenas as rodovias sob jurisdição federal, no período de 2010 a 2020, houve aumento de 3,7% nas pavimentações.

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