Entidades representativas dos operadores do transporte coletivo urbano e dos fabricantes de chassis e carrocerias somaram esforços na elaboração de documento que projeta agravamento do já crítico sistema público caso mudanças não sejam adotadas no curto prazo. À frente do movimento está a Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), juntamente com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus (Fabus) e do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Municipais de Mobilidade Urbana, que recentemente reuniram-se para uma apresentação virtual das propostas que serão levadas aos candidatos a prefeito e vereadores dos municípios brasileiros.
De acordo com os dirigentes das entidades, as propostas são conhecidas já de algum tempo, mas que se tornaram mais necessárias e visíveis com a pandemia do coronavírus, que tornou o sistema público de transporte ainda mais precário e ameaçado de sobrevivência. O presidente da ANTP, Ailton Brasiliense Pires, argumenta que todas as propostas feitas já estão em uso em muitos países e grandes cidades brasileiras.
Para ele, o problema precisa ser visto como um todo e com o entendimento de que quanto mais gente usar o transporte coletivo, mais fácil será a mobilidade e menor a poluição e ocorrência de acidentes.
“Há 40 anos atuamos junto aos prefeitos e lideranças e muitas cidades já estão fazendo o que dá resultado. Temos de construir uma cidade para todos, privilegiando o transporte coletivo, a calçada, sem excluir o automóvel”, justificou. Para ele, independentemente do porte das cidades, as propostas sugeridas são exequíveis. “Cada uma deve considerar suas peculiaridades, mas deve melhorar qualidade de vida. As propostas são todas realizáveis, não são nenhuma invenção”, reforçou.
A apresentação do documento foi feita por Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente ANTT. A TranspoData participou do encontro virtual e reproduz as principais propostas que serão encaminhadas aos candidatos municipais de novembro.
TRANSPARÊNCIA SERÁ FUNDAMENTAL
As lideranças apontaram que o sistema já vinha sofrendo com queda de passageiros há algum tempo. Com a pandemia, a situação ficou ainda pior, exigindo que decisões para mudar o quadro sejam tomadas de forma emergencial, ainda nos primeiros dias dos novos governos.
O entendimento é de que transparência será ainda mais essencial na formulação das novas políticas. “Será preciso deixar muito claro para a comunidade as condições dos contratos, como se definem as regras de oferta e demanda, receita, custos, cálculo tarifário e padrões de qualidade”, destacou Néspoli, citando como mecanismos de divulgação, por exemplo, a apresentação de relatórios mensais.
Disse ser fundamental discutir estes temas com a sociedade, indicando a necessidade de redes eficientes e infraestrutura adequada, o que irá melhorar a qualidade, mas implicará em maior custo. “Precisamos mostrar que há outros segmentos que se beneficiam do transporte público, não só o passageiro, que precisam contribuir, ainda que indiretamente, com o custeio da passagem”, indicou.
Outro fator fundamental, na avaliação dos participantes, é de que o prefeito não pode eximir-se, após assinatura do contrato, da responsabilidade com o transporte, repassando-a integralmente ao operador. “O gestor público tem sim compromissos com a qualidade do transporte”, enfatizou.
MUDANÇAS NO MODELO DE CONTRATO
É consenso no setor de que a maneira atual de contratar não é mais eficiente e impede avançar na direção de sistemas mais sustentáveis. Caberá ao ente público organizar o setor e estudar necessidades e formas de garantir a oferta de serviço, com qualidade e a custos acessíveis para a população. “Na maioria das cidades é adotada a tarifa de demanda, que é muito sensível diante da queda de passageiros. A pandemia tornou a situação dramática”, afirmou Néspoli. Em março e abril, a oferta de transporte para atender das atividades essenciais foi de 80% para uma ocupação de 20%, que atualmente está em 50%. “Esta perda desequilibra o sistema, precisa rever isto”, defendeu.
As lideranças defendem que a tarifa por demanda não pode ser a única fonte de receita do sistema, o que exige mudanças no formato dos contratos, permitindo criar condições para flexibilizar a oferta e abrir possibilidades para recursos extra tarifários. “Só a tarifa é insuficiente para cobrir o serviço. Precisamos de subsídios ou outras fontes complementares, porque todas as atividades econômicas se beneficiam do serviço público de qualidade. Esta é grande mudança que devemos orientar e discutir com a sociedade”, reforçou.
Outras receitas extras teriam origem na taxação de aplicativos e uso da via pelos automóveis particulares, pedágio urbano e destinação de recursos do IPVA e do IPTU. Também por meio da redução das gratuidades e um novo modelo de vale-transporte, que atualmente beneficia somente 40% da mão de obra ocupada, que é assalariada.
INVESTIMENTOS NA INFRAESTRUTURA
Outro ponto do documento aborda a necessidade da destinação de recursos para obras de infraestrutura, que qualifiquem as condições de trafegabilidade dos ônibus. Dentre as principais medidas, pavimentação de vias, melhorias nos pontos e terminais, sistemas de controles de gestão, integração de modais e engenharia de tráfego para produzir, essencialmente, maior velocidade comercial com redução no tempo de viagem. “Este é atributo fundamental a perseguir para se ter circulação com qualidade. Ausência de prioridade na circulação das vias impacta nos custos”, indicou Néspoli.
A projeção é de que sejam necessários qualificar 9 mil km de vias, dos quais 90% de fácil execução, basicamente corredores de faixa exclusiva no lado direito das vias. O custo médio por quilômetro desta obra é de R$ 330 mil. Também seriam necessários 1 mil quilômetros de corredores centrais, ao custo de R$ 7,5 milhões unitários; e mais 200 quilômetros de vias para sistemas BRT, estes orçados em R$ 41 milhões por quilômetro, pois requerem medidas adicionais de construção.
O investimento projetado é de R$ 18 bilhões em quatro anos, com retorno anual estimado de R$ 11 bilhões pela redução de custos e maior eficiência. “O retorno por ano será 3,5 vezes maior que o investimento”, comparou. Também será necessário investir na qualificação das condições de acesso, como calçadas, pontos de parada e iluminação pública. “A falta destas obras simples, pode inviabilizar o restante”, alertou.
ORIGEM DOS RECURSOS
O estudo aponta que para a construção de vias exclusivas à direita, em cidades com mais de 150 mil habitantes, os valores poderiam vir da prefeitura, com uso dos recursos provenientes de multas de trânsito. Em relação à pavimentação, as fontes seriam recursos do Ministério da Infraestrutura, que tem rubricas para tal. No caso de vias para BRT, sistema mais sofisticado e adensado, com volume maior de passageiros, a saída poderia ser via parcerias públicos privadas ou por financiamentos federais, com uso do Fundo Garantidor ou mesmo do Fundo de Infraestrutura de Transporte, que recebe recursos da CIDE.
REESCALONAMENTO DE HORÁRIOS
Na visão das lideranças do transporte coletivo urbano, é preciso racionalizar a utilização das vias, o que poderia ser feito por meio do reescalonamento dos horários das atividades econômicas, o que também resultaria em achatamento do pico de uso do sistema, atualmente concentrado no início e final dos dias. A concentração exige que a frota seja dimensionada em função desta demanda, que cai drasticamente ao longo do dia, gerando ociosidade na ocupação e onerando o serviço.
Escalonar os horários também representaria reduzir aglomeração de pessoas nos ônibus, que será necessidade fundamental na retomada pós-pandemia. “É uma decisão difícil e complexa, mas que precisamos enfrentar”, afirmou.
O mesmo vale para a questão da mão de obra, considerado o maior custo na composição da tarifa. As lideranças reconhecem que isto não pode ser feito de uma hora para outra, mas deve ser perseguido no médio e longo prazo, considerando tratar-se de um assunto de natureza social para absorver a mão de obra atualmente utilizada. “A introdução dos bilhetes eletrônicos deve ser progressiva”, defendeu.
COMUNICAÇÃO COM A SOCIEDADE
Um sistema de comunicação permanente e aberto com a sociedade deve incluir também pesquisas de opinião e, a partir delas, analisar os resultados e corrigir o que é apontado como necessário. O entendimento das lideranças é que o cidadão também é responsável pela geração de transporte de qualidade.
O grupo ainda defendeu campanhas educativas, algo que poucas prefeituras adotam, e diálogo com o passageiro dentro do ônibus por meio da oferta de conteúdos digitais. Ou seja, o operador pode tornar a viagem mais atrativa, contribuindo, inclusive, com o aprendizado do passageiro.
URGÊNCIAS
Uma das medidas emergenciais muito próximas de ocorrer é a liberação de R$ 4 bilhões pelo governo federal para auxiliar as empresas a cobrir o déficit. Néspoli assinala, no entanto, como também urgentes a repactuação de contratos, adequando à nova demanda; manutenção dos protocolos de higiene; e priorização de medidas em vias públicas, visando abrir mais atenção ao transporte coletivo, bem como melhorar os terminais de transferência, sincronizar os horários das linhas tronco e alimentadoras e rediscutir os horários das atividades urbanas para reduzir a aglomeração.
Embora o reconhecimento de que não são propostas simples, que exigem altos investimentos e convencimento da sociedade, as lideranças consideram possível viabilizá-las em um mandato de quatro anos. Na avaliação do grupo, as soluções podem ser adotadas em praticamente todas as cidades, pois poucas são mais complexas. “O sistema sofreu muito com a pandemia, com queda abrupta de receita. Empresas faliram e outras desistiram. Temos desequilíbrio financeiro no contrato e redução de demanda. O passageiro está receoso e pode evadir-se para outros meios, inclusive piratas, levando o sistema à desregulação do sistema. Precisamos de novos padrões de qualidade para atender uma população mais atenta e vigilante”, projetou.
Usuário mais atento e vigilante
Presidente da NTU, entidade que representa mais de 600 empresas associadas e perto de 80 sindicatos da categoria, Otávio Cunha reforçou que o modelo exclusivo por tarifas não sustenta mais o sistema. Segundo ele, nos últimos quatro anos a queda foi de 25% e piorou com a pandemia. “Ofertamos 60% da frota e a demanda não chegou a 20%”, observou.
Ele projeta que, passada a fase aguda da pandemia, o comportamento do usuário será outro, que cobrará serviço melhor e ônibus menos cheio.
Ele acredita que este momento de dificuldades, em que serão adicionados custos, deve ser aproveitado para encontrar soluções para receitas extra tarifárias. Também defende uma revisão dos contratos atuais para garantir maior segurança jurídica ao operador. “Precisamos ter concessões como ocorre nas rodovias, por meio de parcerias público privadas. Com isto, teremos a sustentabilidade, mas precisa ter garantia da remuneração assegurada. Defendemos um novo marco regulatório, discutido com governos, população e técnicos. Uma discussão ampla visando solução definitiva, incluindo o transporte multimodal, com tarifação única e integrada. À frente deste movimento precisa estar o governo federal como indutor da política do transporte coletiva urbana, mas sem afastar as prefeituras de suas funções”, frisou.
Para o presidente da NTU, o transporte público pode, usando os protocolos conhecidos, oferecer serviço com segurança sanitária, evitando a contaminação. Mas pondera que o usuário também precisa fazer sua parte, usando máscaras e higienizando as mãos. “Não há evidências de que o transporte público seja vetor de contaminação, tem outros locais que podem ser piores. Não podemos é criar pânico e tumultos”, argumentou.
Indústria reforça apoio às reivindicações
O presidente da Fabus, Ruben Bisi, destacou que as fabricantes de carrocerias foram rápidas e apresentaram soluções de biossegurança para proteger os passageiros contra o coronavírus. Também defendeu a estruturação de um plano nacional de mobilidade, com financiamento de longo prazo a juros exequíveis, além da adoção de receitas extra tarifárias para remunerar os operadores.
Bisi entende que qualidade na mobilidade gera vida melhor à população, que se torna mais produtiva. Para ele, a mobilidade é dever do Estado. “Caberá aos novos mandatários definir o futuro da mobilidade. Terão de rever contratos e investir na infraestrutura, pois a pandemia evidenciou ainda mais os problemas”, assinalou.
O presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, destacou que a indústria de chassis tem trabalhado em soluções para reduzir o custo do operador, o que implica em menos consumo de combustível e despesas de manutenção. Assinalou que a preocupação não é só investir em tecnologias com resultados ambientais, mas também e, principalmente, de segurança e conforto.
Compartilhamento de gestão
Presidente do Fórum de Secretários e Dirigentes Municipais, Rodrigo Tortoriello, entende que a gestão do transporte coletivo deve ser compartilhada entre prefeituras e operadoras. Acredita que o mais relevante para o momento e para o futuro é ter capacidade de readequar a tabela horária de forma a não onerar ainda mais a empresa. “A situação atual reforçou a fragilidade de o sistema se sustentar só com uma fonte de receita. Com serviço de qualidade e de preço justo vamos atrair mais passageiros”, apontou.
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