Para garantir o abastecimento das cidades e a manutenção do comércio exterior, é imprescindível parcerias publico-privadas, visando condições adequadas aos profissionais das estradas, para carga e passageiros, e as infraestruturas de apoio

Em entrevista exclusiva para TranspoData, o ex-secretário executivo do Ministério dos Transportes, ex-Secretário de Transporte do Município de São Paulo, ex-diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo, e atual consultor de transporte Frederico Bussinger expõe sua proposta para que concessionárias rodoviárias possam cuidar da manutenção dos serviços de apoio aos que trabalham nas estradas. Confira!

TRANSPODATA – Sabendo que, o abastecimento no Brasil ocorre prioritariamente por rodovias, o que fazer para manter este modal funcionando adequadamente de forma a garantir fluxo de abastecimento?

FREDERICO – De fato, a manutenção das cadeias de suprimento é fundamental nas 3 batalhas que temos de enfrentar: a da saúde, a do abastecimento da população e a da antirrecessão econômica. Nesse sentido é fundamental a proteção física e assistência das pessoas que estão envolvidas  nas atividades; algo que as autoridades sanitárias e as equipes médico-hospitalares têm cuidado no limite das possibilidades. O próximo passo, até com base a formalização da “essencialidade” do setor, seria de fundamental importância priorizar os profissionais do setor nos programas de vacinação e testagem rápida; isso para evitar a redução dos contingentes, além daqueles já afastados por estarem em grupos de risco. Um dado importante: no Porto de Santos 1/3 dos trabalhadores avulsos tem mais de 60 anos.

Mas é também necessário garantir-se o apoio logístico necessário para elas, para a infraestrutura de apoio e para as atividades: prover-lhes alimentação, combustíveis, manutenção, local de descanso, é condição sine-qua-non. Um enorme desafio.

TD – É possível pensar em formas de auxiliar e garantir condições adequadas aos milhares, milhões de profissionais que circulam pelas estradas do País?

FREDERICO Além do apoio espontâneo que as populações lindeiras têm dado a esses profissionais, o que é até emocionante, as concessionárias rodoviárias se mobilizaram para fornecer kits de higiene, equipamentos de proteção individual e, em muitos casos lanches e “quentinhas”. Mas, considerando que tais dificuldades podem se prolongar por semanas, esse apoio poderia/deveria ser potencializado e tornado continuado durante a crise. Para tanto, as concessionárias poderiam ser envolvidas institucional e sistemicamente, usando sua capilaridade: elas conhecem km a km de suas respectivas estradas, e os prestadores de serviço (postos de gasolina, borracharia, restaurante, etc). Além disso, já têm veículos, equipamentos e equipes que percorrem periodicamente os trechos.

Recursos? Além daqueles que autonomamente elas já disponibilizaram, os governos poderiam suspender o recebimento dos valores de outorgas a eles pagos periodicamente, destinando-os para tais apoios. Esse mecanismo teria, inclusive, a vantagem de não depender de orçamentações públicas e transferências (o que tem se mostrado uma dificuldade, uma impedância); dado que os recursos circulariam, apenas, entre centros de custos das empresas concessionárias.

TD – Diante da situação de pandemia, a cadeia de suprimentos precisa manter um fluxo contínuo.  Existe riscos de termos um colapso no abastecimento?

FREDERICO Riscos sempre existem em qualquer atividade humana. O que cabe ser discutido é seu grau, assim como minimizá-los. E essa é uma das funções do que se chama gestão de crises; algo no que os governos, empresas e sociedade estão empenhados. No Brasil e no mundo.

TD – Quais os riscos e as dificuldades encontradas nessa tarefa de abastecimento? Existem formas de minimizar esses riscos?

FREDERICO – Há 3 frentes: a produção, o transporte e a distribuição. A distribuição, a chamada “last mile”,  tem sido amenizada com os “delivery” que têm experimentado um boom nos últimos meses: além das empresas especializadas, que têm aumentado em número e volume de entregas, também a rede varejistas tem ampliado seus serviços de venda pela internet. 

O transporte, entre centros de produção e/ou importação e os centros de distribuição, tem enfrentado as dificuldades mencionadas, e procura-se  mitiga-las. Até o momento portos e ferrovias, no agregado, sentiram pouco: as exportações de grãos e minérios tem se mantido em alta, vez que a China e outros países devem estar reforçando seus estoques estratégicos. Mas a movimentação de contêineres foi reduzida; o que é indício de que produtos industrializados têm circulado menos e, assim, a oferta poderá ser reduzida no médio prazo.

A produção industrial experimenta grande redução: fala-se em 40%! Já a agrícola, no momento, ainda não: aliás, a imprensa noticia até que produtores estão descartando alimentos, em função da redução da demanda. Muito provavelmente os plantios do futuro próximo poderão ser reduzidos, ante a nova expectativa. Por conseguinte, a oferta também poderá ser reduzida no médio prazo.

TD – Seria possível contar com algum tipo de parceria entre a inciativa privada e o governo? Qual o papel da iniciativa privada nessa situação? E do governo?

FREDERICO – Possível não, imprescindível! Experiências similares de pandemias anteriores indica que não se enfrenta uma pandemia e uma crise planetária dessa proporção sem uma ampla mobilização da sociedade, empresas e governos. Muito já tem sido feito, como mencionado anteriormente. Além disso observa-se uma rede quase invisível de solidariedade, em crescimento. Mas imaginando que essa pode ser uma maratona, e não uma corrida de 100 metros, tais articulações precisam ser ampliadas e melhoradas suas coordenações.

Acredito que cada um tem seu papel; mas, a história o mostra, batalhas desse tipo demandam lideranças com visão estratégica, legitimidade e capacidade de mobilização. 

TD – Dentro das ações de gestão de crise, quais decisões e medidas deveriam ser tomadas pelo governo para o setor de transporte?

FREDERICO – Além das medidas emergenciais já mencionadas, vários temas que patinavam em discussões intermináveis, correlacionáveis diretamente com a pandemia ou não, voltaram à baila e estão sendo tratadas: a crise parece ter colocado um holofote na agenda, reduzido amarras e disseminado um sentido de urgência. É o caso, p.ex, da caracterização da essencialidade dos vários setores de transporte (uma definição formal, mas que abre diversas portas), a tabela de fretes, a escalação automática nos portos, rendas mínimas para diversas categorias, etc. Algumas vigerão provisoriamente, Mas outras tendem a se tornar perenes: será um legado da crise!

TD – Quais as projeções de impactos pós-pandemia para a economia e para o setor de transporte rodoviário?

FREDERICO – Certamente o impacto tem sido e será grande. E por algum tempo. Seja pela produção que vai sendo reduzida; seja pelo fechamento das fronteiras; seja pelos dispêndios desse “esforço de guerra” (na casa de centenas de bilhões de Reais) que, como consequência, reduzirá ou postergará investimentos no setor; seja pela quebradeira de empresas; seja pela desorganização na economia (p.ex, descumprimentos de contratos, públicos e privados: e não serão poucos). O rescaldo dará trabalho e tomará muitos meses… ou anos. Vale lembrar a experiência do pós-Plano Real!

Ainda não há quantificações confiáveis, Apenas alguns indicativos. Por exemplo: transporte coletivo e aviação, até em função da quarentena, já estão sendo duramente afetados: transporte coletivo urbano/metropolitano já caiu mais da metade, e em alguns casos a 1/3 ou ¼; e os aeroportos estão desertos (Congonhas, por exemplo, não funcionará em abril e Guarulhos caiu a algo como 10% do movimento pré-pandemia). Pesquisas das entidades do setor rodoviário de cargas indica queda de cerca de 40% das movimentações; inclusive no setor de medicamentos.

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