Magnabosco adianta que empresa prepara investimentos para ajustar processos de produção
Comprometida com o desafio global de minimizar os impactos ambientais causados pela emissão de gases poluentes, a Marcopolo reforça a sua atuação na produção de veículos sustentáveis. A companhia produziu, recentemente, o primeiro veículo leve sobre pneus (VLP) 100% elétrico do Brasil, em parceria com a BYD, e já forneceu cerca de 370 unidades elétricas e híbridos para diversos países, incluindo Argentina, Austrália e Índia, sendo 75 veículos em circulação no território brasileiro. Também são novidades recentes o primeiro ônibus elétrico para uso rodoviário e outro movido a GNV para fretamento. Nesta entrevista, João Gabriel Magnabosco, gerente de Engenharia do Produto da Marcopolo, indica os próximos desafios que a companhia pretende empreender e como pretende se posicionar diante das demandas cada vez mais consistentes por tecnologias sustentáveis.
Transpodata – Na avaliação da Marcopolo, a eletrificação já está consolidada no segmento de ônibus?
João Gabriel Magnabosco – Tradicionalmente, a Marcopolo oferece a integração do veículo, de uma carroceria a um chassi com propulsão. Há 72 anos se trabalha neste cenário. Para veículos elétricos também estamos trabalhando em parceria com os fabricantes de chassis. A fase experimental deste processo ocorreu de 2005 a 2010 por meio de estudos e pesquisas. Nesta fase, fizemos uns 10 veículos, com diferentes parceiros, inclusive, movidos com cédula de hidrogênio. Também com carregamento solar, no caso com a Universidade Federal de Santa Catarina, com um veículo que hoje roda entre o campus central e o de Canasvieiras. A eletrificação é uma realidade, muito forte na China, com grandes volumes no transporte coletivo. Na América Latina, a cidade de Santiago, no Chile puxou este movimento. Os elétricos vieram da China e a Marcopolo teve participação nos ônibus a diesel. Agora, vem Bogotá, na Colômbia, com volume expressivo. Na Colômbia, pela fábrica local que temos, em parceria com a BYD ganhamos a licitação de 400 unidades para entregar até o final do primeiro trimestre de 2022.
Transpodata – Dentre todas estas fontes alternativas, o que a Marcopolo vislumbra como a mais viável?
Magnabosco – Acho que todas têm seu espaço, depende da matriz energética que está preparada em cada mercado. O GNV tem boa aceitação na América Latina, com várias frotas já consolidadas. Na aplicação urbana, a melhor opção tem sido a elétrica. Já a célula de combustível mostra ser alternativa para longas distâncias. A célula permitiria carregar a bateria, elevando a autonomia do veículo e reduzindo peso. Para viabilizar o elétrico a grande questão é a tecnologia no desenvolvimento da bateria. Na cidade, atende bem, porque tem percurso fixo. Em maior distância, em cinco a dez anos, teremos o full cel como alternativa.
Transpodata – A Marcopolo tem feito estes projetos com parceiros. Para o futuro, é possível ingressar como desenvolvedor de bateria ou outros itens, aproveitando a expertise já existente na Marcopolo Nex, uma unidade focada em inovação?
Magnabosco – Hoje, nas parcerias com fabricantes de chassis, estamos desenvolvendo conceitos para reduzir o peso da carroceria, tornar o veículo mais leve. A solução de elétricos abre oportunidade para inúmero players. A produção de componentes, como bateria, ficará restrita aos já tradicionais fabricantes; já a integração ficará aberta. A Marcopolo poderia, mas não está no escopo, fazer a tecnologia integral. Pode ser um segmento futuro. Com a Volare temos a parceria também com a BYD.
Transpodata – O veículo leve sobre trilhos, o VLT, para turismo e urbano, também se insere nesta estratégia dos elétricos?
Magnabosco – O entendimento da Marcopolo é de que não adianta somente entregar um ônibus, o cliente precisa de solução completa, de sistema de carregamento, gerenciamento para a frota. O mesmo vale para a cidade, que vai receber o ônibus. Precisa de algo mais amplo. Por isso, a Marcopolo quer desenvolver soluções completas. Aí entra a Marcopolo Nex, de inovação. Uma das linhas é de mobilidade, ajudar as cidades, empresas e órgãos públicos para montar todo este sistema. São José dos Campos, no interior de São Paulo, é um bom exemplo disto, porque lá foi criado uma estrutura, com estações, carregamento e tecnologia do veículo, com portas mais largas, espaço interno mais amplo, acessibilidade, biossegurança. A Marcopolo está preparada para ser protagonista no fornecimento de soluções completas. Em Caxias do Sul, vamos criar uma linha de veículo elétrico e, partir disto, ser modelo de expansão, levando para outras cidades para que usuários, empresas e órgãos públicos conheçam os benefícios do sistema. O objetivo é disseminar e orientar quem está iniciando no ônibus elétrico.
Transpodata – Quais os principais desafios para consolidar a introdução efetiva do elétrico e mesmo do VLT?
Magnabosco – O trabalho é alinhar estes atores e encontrar a viabilidade para a operação. Agora, entra um outro player, que são as concessionárias de energia elétrica para fornecimento. Esta situação precisa ser mapeada. Hoje, o custo de aquisição do veículo ainda é alto, e o retorno acaba sendo amortizado ao longo de vários anos. Torna-se, assim, necessário um aporte maior, exigindo linhas de financiamento. A vantagem é que as empresas de transporte já têm uma estrutura de garagem pronta, onde podem instalar os postos de carregamento. Nas cidades que já estão adotando o sistema, ele mostra-se viável, principalmente em termos ambientais e de saúde, com menos poluição e ruídos. Além disso, tem-se uma sensível diminuição nos custos de manutenção, o que também ajuda a viabilizar o investimento.
Transpodata – O grande mercado consumidor dos elétricos devem ser as grandes cidades? Ou os pequenos municípios podem aproveitar melhor esta alternativa?
Magnabosco – Parece-me que o movimento começa pelas grandes cidades, mas todas com sistema de transporte estruturado podem usar esta solução, talvez até com mais facilidade, porque os volumes de frota podem ser menores. Por enquanto, são as grandes cidades que mais têm investido, até para amenizar os problemas ambientais e de ruídos.
“Temos planos de expansão da planta e planejamos como vamos carregar as baterias, em que horários, quando movimentar. É preciso também um treinamento com os funcionários, até agora só acostumados com diesel. As normas de segurança determinam cuidados com o trabalho de altas-tensões”
Transpodata – O trabalho de convencimento vem sendo feito mais nas concessionárias ou sobre o poder concedente?
Magnabosco – Em ambos, se percebe grande interesse pelo poder concedente, instituições, universidades e apoiamos com dados das nossas pesquisas. Só operador ou só a prefeitura não consegue implantar. É necessário um ecossistema, onde temos um veículo, energia, sistema estruturado, gestão. Precisamos andar de mãos dadas para viabilizar esta ideia. Sem o alinhamento e apoio de ambos não se consegue. Nos contratos de concessão, a média de idade de ônibus é prevista em quatro, cinco anos. O elétrico vem com a possibilidade de 12 a 14 anos. Isto precisa ajustar na lei. Por exigir menos manutenção, um elétrico vai durar mais do que um diesel. Na licitação de Santiago, o diesel tinha 10 anos e o elétrico elevava para 14.
“O entendimento da Marcopolo é de que não adianta somente entregar um ônibus, o cliente precisa de solução completa, de sistema de carregamento, gerenciamento para a frota. O mesmo vale para a cidade, que vai receber o ônibus. Precisa de algo mais amplo”
Transpodata – Que outros projetos existem em andamento na América Latina, além de Chile e Colômbia?
Magnabosco – Na América Latina, também temos México, mas ainda não consolidado. Na Austrália, lançamos o ônibus no ano passado e a repercussão foi muito positiva, com grande sinalização do governo de autorizar esta migração. Na Índia, onde tínhamos parceria com a Tata Motors, entre 2017 e 2019, vendemos 300 unidades para grandes cidades. Todos os países estão embarcando nesta ideia, mas a China tem situação desproporcional, porque lá é muito grande o volume de elétricos. No Brasil, temos iniciativas em São José dos Campos; em Curitiba, com híbridos; e São Paulo tem edital com caracterização de elétricos.
Transpodata – As carrocerias precisam ser customizadas para atender estes diferentes mercados?
Magnabosco – A Marcopolo criou um conceito já pensando na modularização. Mas no transporte urbano as peculiaridades são exclusivas em muitas cidades. São Paulo, por exemplo, pensa em ônibus de piso baixo; em Curitiba, é piso alto. Quando migra do diesel para o elétrico os desafios para a Marcopolo são imensos. É preciso reduzir o peso, mas, ao mesmo tempo, é necessário um produto que suporte mais duas toneladas de baterias. A área de engenharia precisa se concentrar em encontrar novas ligas especiais, mais resistentes.
Transpodata – Além deste contrato de 400 ônibus para a Colômbia, existem alguns outros projetos em análise para os próximos meses?
Magnabosco – Este está consolidado, mas estamos negociando no México, Uruguai e Chile, que terá nova licitação. Estamos tentando nos posicionar onde sejamos competitivos com soluções completas para os clientes.
Transpodata – O fato de as baterias ainda agregarem um peso adicional grande ao ônibus pode tornar a solução mais viável para veículos menores, com menor capacidade de passageiros?
Magnabosco – O VLT é um ônibus articulado de 22 metros, Volare tem nove metros, com capacidades de 130 a 30 passageiros. São dois extremos. A micromobilidade começa no patinete. A estrutura do veículo é desafiada com a eletricidade, pois exige muito menos equipamentos do que um diesel. Mas é uma tecnologia que pode ser escalonada para qualquer capacidade.
Transpodata – O que está mudando nos processos da Marcopolo para ajustar a estrutura que tem ao veículo elétrico?
Magnabosco – Traz alguns desafios para a produção. Com um ônibus diesel, basta abastecer para ele percorrer a linha de montagem. Com o elétrico, a bateria vai no teto do ônibus, que é a última parte de montagem. Com 20 unidades em produção diária e precisando dar carga na bateria, estamos ajustando os processos. Temos planos de expansão da planta e planejando como vamos carregar as baterias, em que horários, quando movimentar. É preciso também um treinamento com os funcionários, até agora só acostumados com diesel. As normas de segurança determinam cuidados com o trabalho de altas-tensões. A chave de boca é especial em estática para evitar choques no manuseio da bateria. Os cuidados terão de ser redobrados, bem como investimentos em novos equipamentos.
Transpodata – O futuro reserva o compartilhamento entre as diversas fontes, incluindo o diesel, ou este pode vir a ser extinto?
Magnabosco – Tem espaço para todos. No transporte urbano, a tendência é pelo elétrico; nas longas distâncias, tem espaço para o diesel, GNV e outros. Estudos comprovam que o motor a combustão está na faixa de 30% a 35% de eficiência. Mas na Fórmula-1 já existem valores de até 52%. Existe espaço para melhoria da eficiência do diesel, que seguirá tendo seu espaço de forma relevante. Vai depender muito mais da oferta do combustível. É o caso do hidrogênio, mas serão necessárias usinas para este produto e redes de abastecimento. Todos conviverão, dependerá muito da matriz disponível.
“Quando migra do diesel para o elétrico os desafios para a Marcopolo são imensos. É preciso reduzir o peso, mas, ao mesmo tempo, é necessário um produto que suporte mais duas toneladas de baterias. A área de engenharia precisa se concentrar em encontrar novas ligas especiais, mais resistentes”
Transpodata – O hidrogênio tende a ser a grande fonte no futuro?
Magnabosco – Sim, é o caminho. A China tem mais de mil ônibus com este combustível. Aqui, no Brasil, no Porto de Sauípe, tem unidade de hidrogênio, podendo transformar-se em exportadora do combustível. Uruguai já tem base de licitação para uso do hidrogênio. A Bosch divulgou estudo sobre a obtenção de hidrogênio a partir do etanol. Imagina consolidar esta ideia e usar toda a rede de postos no Brasil que tem bombas de etanol. O Brasil pode ser um grande fornecedor de hidrogênio a partir do etanol.
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