A turbulência atual do mercado deverá se traduzir em revisões de processos no segmento de transportes de passageiros, tornando-se imprescindíveis medidas como o incremento da adoção do bilhete eletrônico, reduzindo a manipulação de papel. A análise foi feita por Letícia Pineschi, conselheira e coordenadora do núcleo de marketing e comunicação da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre (ABRATI), que entende ser necessário superar a resistência cultural do passageiro e de muitas empresas ao bilhete eletrônico. Ela foi participante do primeiro episódio da segunda temporada do projeto Notáveis do Transporte, iniciativa da Revista TranspoData, transmitido pelo canal TranspoData Premium, no Youtube, onde pode ser acompanhado na íntegra.

Para Clodoaldo Grandi, gerente comercial nacional da Praxio, as dificuldades atuais podem ser transformadas em oportunidades, principalmente a partir da revisão dos processos internos por meio da automação para trazer mais eficiência ao negócio. Ele destaca que a empresa tem investido na venda de passagens por meio eletrônico e em cartão fidelidade, que vai permitir ao operador entender a frequência com que o cliente viaja. “Com isso, pode-se fazer campanhas e despertar o interesse do cliente”, assinala

Grandi também mencionou a tecnologia voltada ao transporte de encomendas, com uso do bagageiro para incrementar a receita. “No atual momento, com aceleração do e-commerce, as empresas estão precisando de uma malha extensa. E as empresas de transporte de passageiros cobrem todo o Brasil. Com os horários e a regularidade das viagens, existe real possibilidade se incrementar a receita das viagens pela prestação deste”, explica. Outra medida citada pelo executivo é o uso da tecnologia para otimizar processos, integrando departamentos, o que vai dinamizar ainda mais a gestão das empresas. “Também é preciso pensar na redução de custos”, citou.

Segundo Francisco Mazon, diretor da Viação Santa Cruz, de São Paulo, tecnologias já existentes nos ônibus asseguram redução de custos. Citou, como exemplos, os sistemas de rastreamento que permitem acompanhar toda a viagem e a forma de direção do motorista. Também as câmeras no interior dos ônibus para verificar o comportamento do motorista e dos passageiros. “Isto tudo resulta em maior segurança”, expôs.

Florisvaldo Hudnik, diretor da Auto Viação Progresso, de Pernambuco, acrescentou que as tecnologias permitem às empresas conhecer os hábitos dos clientes, suas preferências e frequência de viagens. “A gente precisa conhecer nosso cliente, saber o que ele pensa e quer para evitar a migração a outro modal ou para o clandestino”, frisou. Na visão de Hudnik, a pandemia pode, futuramente, fazer com que passageiros do modal aéreo migrem para o rodoviário, que estará mais seguro.

A representante da ABRATI, Letícia Pineschi, avalia também como necessária uma revisão no preço da tarifa diante das dificuldades que a população já tem em pagar os valores atuais, e que deverão ser agravadas após a pandemia, diante do alto nível de desemprego e perda de renda. “A primeira medida a fazer será recuperar o volume de passageiros. Para isso, teremos de empreender esforços para desonerar a tarifa, trabalhando a questão do ICMS no transporte interestadual. É um absurdo que nas tarifas aéreas não haja incidência do imposto e, no terrestre, se tribute em até 18%”, assinalou.

Segurança sanitária como diferencial

Letícia Pineschi comentou sobre o transporte clandestino, para onde tem evadido boa parte da receita dos operadores oficiais. Reconhece ser histórica esta questão, mas que cresceu com a pandemia, até mesmo por conta de medidas de governos, que bloquearam cidades e estados para o transporte regular. “Uma ingenuidade pensar que as pessoas não iriam se locomover. Elas foram empurradas a usar o transporte clandestino”, afirmou. Da mesma forma, pequenos empreendedores que atuavam regularmente viram no serviço clandestino a possibilidade de salvar alguma receita.

Na avaliação de Letícia, é chegado o momento de o operador demonstrar a diferença entre o serviço regular, preocupado com a saúde pública, e o clandestino. “Os novos protocolos de biossegurança exigem muita infraestrutura e recursos para investir. Isso tudo precisa ser equacionado, porque o transporte clandestino não tem nada disso”, compara.

Diálogo e transparência – A representante da ABRATI defende maior do diálogo das entidades empresariais com a sociedade para esclarecer sobre quem é regular e que recolhe impostos. “Não é razoável transferir ao usuário médio este entendimento sem que ele tenha informações sobre isto. Precisamos nos aproximar do nosso cliente, mostrar que somos um serviço público essencial, valor imenso, que garante o direito de ir e vir. O Brasil ainda é um país absolutamente rodoviário”, pregou.

Francisco Mazon defendeu uma nova modalidade de fiscalização, que considere, agora, aspectos de higienização dos veículos, e não apenas operacionais, como pneu já desfigurado. Ele enfatiza a necessidade de o poder concedente ajudar nesse aspecto. “É uma grande oportunidade que temos de exigir mais da fiscalização”, reforçou.

Para Florisvaldo Hudnik, é preciso mais unidade entre as entidades patronais para atuar junto ao governo. Mas entende que também é preciso elevar a confiança ao usuário. “A percepção dele se dá no momento da compra da passagem ou quando chega no ônibus. Com a pandemia estão sendo adicionados alguns processos, que terão de ser mais garantidos para o cliente, principalmente durante a viagem”, observou. O mesmo terá de ser adotado pelos terminais, que precisarão estar higienizados e com parceiros de qualidade, principalmente, na alimentação.

Transporte de São Paulo perdeu 90% de passageiros

Diante da queda de até 90% no movimento de passageiros nas linhas de ônibus urbanas em função da pandemia do coronavírus, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP) autorizou, por meio de comunicado, que as empresas reduzissem os horários de forma a equilibrar a situação. Em alguns casos, de acordo com Paulo Marufugi, coordenador da diretoria de Procedimentos e Logística da ARTESP, houve até mesmo paralisação de serviços, pois algumas prefeituras fecharam terminais, tornando inviável a manutenção de linhas. Outras empresas fizeram alterações operacionais na busca da otimização de linhas sobrepostas, o que resultou em redução de custos.

O coordenador lembrou que, em maio de 2019, foram transportados 10 milhões de passageiros, número que caiu para 1,7 milhão no mesmo mês deste ano. Define a situação como atípica e que, dentro do próprio regulamento do serviço, é preciso cuidar da manutenção econômico-financeira de cada linha. “O transporte é um serviço público operado por empresa privada, que é remunerada pela tarifa. Esta se dá a partir do rateio dos custos em função da média de passageiros. Assim, há necessidade de compreensão de todos da necessidade da redução de horários”, argumentou.

De acordo com Marufugi, o sindicato das empresas encaminhou um pedido de indenização em função da pandemia. Ele explicou, no entanto, não haver no regulamento da agência brecha para atender à solicitação, que foi repassada para análise pela assessoria jurídica. “A ajuda é para cobrir os custos fixos que continuam elevados mesmo com a redução da frota em circulação. Os veículos estão parados e ninguém vai vender ativos, porque o mercado vai voltar”, argumentou. Uma possibilidade, de acordo com Marufugi, é a reposição de eventuais perdas no reajuste tarifário de 2021. Mas alerta de que nem sempre esta é a melhor saída, pois pode assustar o passageiro, que migrará para o transporte clandestino.

Mineiros abrem mão do ar-condicionado

Antônio Carlos Teixeira, diretor da Irmãos Teixeira, de Minas Gerais, define o momento atual como delicado, principalmente para as empresas que operam em pequenas rodoviárias. Argumenta que, diante da queda nos recursos, a alternativa tem sido buscar recursos no sistema financeiro, onde as empresas não têm encontrado facilidades. Ele projeta que muitas pequenas empresas precisarão fechar as portas.

Como forma de equacionar a situação, as empresas de Minas Gerais estão alternando dias de operação. De acordo com Teixeira, a queda média de receita foi de 70% a 80%, mas há casos de perda total. “Estamos retomando vagarosamente, pois ainda estamos naquele movimento de abre-fecha das cidades. Ainda não há como fluir normalmente, porque não temos segurança. E precisamos passar segurança para o cliente”, alertou.

Acrescenta como agravante o fato de que parte dos usuários quer viajar com janelas abertas, mesmo que praticamente toda a frota de ônibus seja equipada com ar-condicionado. Segundo ele, mesmo com o espaçamento entre os passageiros, existe queixa em relação ao ambiente fechado. Diante desta situação, a operação prioritária da empresa tem sido com ônibus convencional, em detrimento do serviço executivo com ar-condicionado que era carro-chefe em outros períodos.

Flexibilização de exigências

Francisco Mazon afirma que, superada pandemia do coronavírus, o passageiro exigirá mais segurança, o que já é percebido por muitas empresas, que elevaram os cuidados com a higienização dos veículos. A mesma preocupação terá de se estender ao embarque, sem a necessidade de o passageiro ter de se locomover até fila de agência. Neste sentido, entende que o poder concedente terá de flexibilizar algumas exigências para atender essa demanda.

O empresário estima que a retomada será gradual e tem expectativa de, no final do ano, estar operando com capacidade de 15% a 20% inferior ao mesmo período de 2019. Em abril, a empresa trabalhou com 14% dos volumes habituais, subiu para 18% em maio e, em junho, em torno de 22%. “Para sair desta situação, precisamos estar juntos, empresários e poder concedente, para buscar soluções conjuntas para os clientes”, convocou.

Investimentos postergados

Assim que começaram os primeiros rumores sobre a doença na China, a diretoria da Auto Viação Progresso, de Pernambuco, resolveu abortar a compra de novos veículos, programada ainda em novembro do ano passado. Medida que também se estendeu a outras iniciativas que estavam em andamento.

A segunda estratégia foi pensar na mão de obra especializada e carente no mercado. “Não dá para mandar embora e contratar outros depois. São particularidades do nosso negócio, que exigem gente qualificada”, assinalou o diretor Florisvaldo Hudnik. A solução foi acordar medidas com o sindicato, o que garantiu a manutenção de todos os funcionários. Negociação que também foi feita junto a fornecedores.

O empresário destacou que um decreto estadual impactou diretamente a receita proveniente de linhas estaduais, responsáveis por 60% do total da transportadora. Com os ajustes feitos, a companhia conseguiu manter-se e dar início a uma retomada. “Estamos fazendo disto uma oportunidade. Até para atender o mercado futuro, que será mais exigente. As pessoas continuarão se deslocando, mas irão querer companhias mais saudáveis. Acho que temos uma grande oportunidade ali na frente”, projetou.

Hudnik também destacou a importância de as empresas estarem preparadas financeiramente para momentos como o atual, considerando que crises continuarão se repetindo. “Temos de levar como lição a necessidade de boas reservas para passar por momentos difíceis como este”, reforçou.

Confira todos os painéis deste episódio, de forma mais detalhada, no canal do Youtube da TranspoData: https://bit.ly/transpodatapremium

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