A Millenium Bioenergia nasceu em 2014 fruto de um projeto entre usineiros de São Paulo e produtores de grãos do Centro-Oeste. A empresa produz etanol de milho e vai focar, também, na produção de hidrogênio verde à base de etanol no País. Nesta entrevista especial e exclusiva à Transpodata (que também foi transmitida por nosso canal no Youtube) nos aprofundamos mais no tema com o CEO da empresa, Eduardo Lima e, com um grande estudioso sobre as potencialidades do hidrogênio, o engenheiro Eustáquio Sirolli, que é diretor de engenharia de produto da Foton e, antes disso, construiu uma carreira brilhante durante mais de duas décadas na mesma área, na Mercedes-Benz do Brasil. Neste bate-papo descontraído com duas autoridades no assunto é possível inferir que o País está diante de um novo e gigantesco potencial energético. Resta saber se teremos políticas públicas sérias e de longo prazo para aproveitá-lo.

Quando pensamos em transporte rodoviário de carga e passageiros sustentável e eficiente, o que teremos, de fato e de real, pela frente no Brasil e no mundo em termos de propulsão verde?

Eduardo: Os veículos elétricos são uma realidade inquestionável, ocorre que todos se esquecem um pouco de ponderar dois problemas, a capacidade das baterias manterem a carga e a dificuldade para expansão da infraestrutura, principalmente em regiões continentais em desenvolvimento, como a América Latina e África.
Creio que as tecnologias a hidrogênio que utilizam a bateria apenas como suporte, serão as que mais avançarão nesta corrida sustentável onde o veículo elétrico hoje é grande destaque.

De nossa parte vamos investir muito na área de P&D e em parcerias estratégicas para fomentar o uso do etanol como solução para produção de uma H2V, o resultado disso será uma cadeia muito mais sustentável social e economicamente, pois será uma grande indutora da economia circular, maior que a economia gerado apenas por veículos elétricos.

Eustáquio: Existem dois caminhos principais que estão sendo seguidos, veículos a baterias e creio que os veículos com célula a combustível usando o hidrogênio como vetor energético sejam mais adequados aos veículos pesados de carga e passageiros. As principais razões são: autonomia, tempo de abastecimento, hidrogênio de fonte livre de emissões de carbono, tara do veículo, e emissões amigáveis ao meio ambiente, ou seja, emitem vapor de água e calor.

Quando pensamos especificamente em transporte de passageiros e cargas em longas distâncias, qual a melhor opção de combustível verde?

Eduardo: Dado o alto índice de infraestrutura que o etanol possui, estou certo de que a autonomia será um fator preponderante para que o mercado opte pela utilização do hidrogênio verde nas viagens de longa distância sejam elas de carga ou de passageiros.

Eustáquio: Os veículos movidos a hidrogênio com célula a combustível estão se consolidando como a alternativa técnica, sendo que esse hidrogênio deve ser proveniente de fontes de energia não poluentes, como energia solar, eólica, hidroelétrica e nuclear, por exemplo. A reforma a vapor do etanol também será uma vertente vantajosa para o Brasil.

Eustáquio Sirolli, Diretor de Desenvolvimento na Foton Caminhões

O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar há décadas. O que está faltando para o País ser referência global na produção de hidrogênio de etanol (esse termo está correto?).

Eduardo: Primeiro vamos lembrar que que o álcool proveniente da cana de açúcar, utilizado como etanol carburante, é o mesmo extraído de outras matérias primas que contem açúcares e amidos como batata, beterraba, mandioca, sorgo, milho etc. Nesse espectro é importante destacar que, destes produtos, o milho se destaca, pois além de possuir quatro subprodutos de alto valor agregado sua produtividade é cinco vezes maior do que a da cana de açúcar.

Por essa razão, atualmente, os EUA produzem o dobro do etanol brasileiro em aproximadamente 400 usinas e no Brasil nós somos uma das empresas focadas nesse segmento que possui apenas quatro unidades, mas tem um potencial gigantesco para voltar a ser o maior produtor mundial novamente e se juntarmos a isso o esforço na busca de novas tecnologias para a conversão do etanol em H2V poderemos ser um exemplo de sustentabilidade para o mundo.

Eustáquio: O Brasil é o maior fabricante de etanol e a obtenção do hidrogênio a partir do etanol precisa de equacionamento técnico e econômico de onde, como e quando produzi-lo e oferece-lo ao mercado. Um tema latente nas discussões e fóruns técnicos sobre uso do etanol como fonte de hidrogênio verde.

O governo brasileiro anunciou ano passado que apresentaria, ainda no primeiro semestre deste ano, projeto para desenvolver uma economia nacional do hidrogênio. Como está o andamento deste projeto? Tem potencial para seguir em frente?

Eduardo: Sim, não só potencial para seguir em frente como de assumir o protagonismo na busca de uma economia verde. As tecnologias à hidrogênio têm tudo para competir com os veículos elétricos em igualdade de condições, uma superando a outra em alguns pontos específicos e que serão o fiel da balança na hora de decidir entre ter um veículo elétrico ou à hidrogênio.

⦁ Ambas são limpas, mas os elétricos terão que dar destino a suas baterias
⦁ Os H2V terão baterias em quantidade bem menor que os elétricos
⦁ O tempo de abastecimento para o H2V já está em 5 minutos
⦁ O elétrico continua com a média de 20 a 30 minutos
⦁ A matriz de energia dos elétricos pode ser poluente
⦁ A geração do hidrogênio para os H2Vs dificilmente será poluente
⦁ Hoje a tecnologia H2V ainda é proibitiva.

Eduardo Lima, CEO da Millenium Bioenergia

O Brasil tem potencial de se tornar um grande exportador de hidrogênio verde? Como?

Eduardo: Sim, temos a matriz energética mais limpa de todos os continentes, isso traz segurança quando se fala em investimentos em tecnologias H2V, o que o Brasil precisa é de uma mudança nas suas políticas de incentivo a pesquisa e dentro das industrias uma mudança nas politicas de P&D, uma vez que a pesquisa pode ser acadêmica, más o desenvolvimento tem de ser privado.

Essa combinação fará com que o Brasil dê um salto à frente dos concorrentes internacionais, conquistando um espaço ainda não preenchido por nenhum país em especial, já que as ações de incentivo ao hidrogênio ainda estão pulverizadas onde a concentração se dá em países cuja a matriz energética é um grande mix de empreendimentos poluentes e não poluentes, bem diferente do Brasil.

Eustáquio: Sim, existem ações no Ceará para se criar um hub de geração e exportação de hidrogênio verde para a Europa principalmente. As condições locais para geração do hidrogênio a partir de fontes de energia solar e eólica são favoráveis ao local, bem como proximidade com a Europa.

Quais são os custos para se produzir um quilo de hidrogênio verde? Quais as opções?

Eustáquio: É um tema difícil de explicar, mas existe uma meta americana de 1kg de hidrogênio custar 1US$ em uma década, que é bem factível de se alcançar com o aumento da escala e redução do custo dos eletrolisadores.

Na tabela abaixo temos custos de obtenção em US$/kg onde pode-se ver a dispersão desse valor pelo processo adotado.

Fonte: Estratégia brasileira para o hidrogênio página 12.

Expliquem-me melhor o que é esse “Hidrogênio Cinza” e “Hidrogênio Azul”… e qual a perspectiva para esses combustíveis no Brasil e no mundo?

Eduardo: Dentro da classificação por cores nossa pegada é trabalhar com a produção de hidrogênio Verde, a partir da reforma ou eletrólise do etanol. Além do etanol o biogás também é um grande produtor de H2V verde.

Eustáquio: Conforme a fonte de produção e armazenamento segue a tabela abaixo

Fonte: Estratégia Brasileira para o Hidrogênio, pag. 10 – Classificação do hidrogênio processo de obtenção (CCUS -Carbon Capture Utilization and Storage)

Os projetos de Hidrogênio Verde no Brasil estão baseados em eletrólise de água. Por que não, também, a base de etanol? Qual dos dois é melhor, mais verde e mais eficiente?

Eduardo: São três as fontes mais econômicas para se obter hidrogênio atualmente, o Gás Natural, o poluente Metanol e o Etanol seja através da reforma de vapor ou da eletrólise.
A água carrega uma quantidade imensa de hidrogênio, más sua extração á a que exige maior quantidade de energia o que acaba por inviabilizar grande parte das iniciativas neste sentido, más tudo indica que isso também está para mudar, seja por conta de novas tecnologias de eletrólise ou novas formas, mais baratas e limpas, de geração de energia elétrica para dar conta do processo de eletrólise da água, quando este dia chegar teremos um mar de oportunidades.

Eustáquio: O processo por eletrólise da água é consagrado pelos experts no tema, desde que a fonte de energia elétrica seja de fonte renovável e não poluente. O processo pela reforma a vapor do etanol no balanço de captura de carbono e emissões para sua produção é considerado verde, mas um estudo mais profundo deve ser feito para consolidar a situação.
A grande vantagem do etanol é o mesmo estar distribuído nacionalmente e sua logística já está estabelecida, para reforma local ou no veículo dependendo do estudo técnico e econômico a ser feito. Um tema técnico acadêmico desafiador

Por que o Chile está bem mais adiantado que o Brasil em termos de política para produção e exportação de hidrogênio verde?

Eduardo: Apesar de rico em minérios, o Chile pretende diversificar sua cadeia produtiva, hoje baseada principalmente na produção e exportação de cobre, e o hidrogênio surge como uma grande alternativa para promover diminuição da dependência da exploração mineral, que é finita e extremamente agressiva ao meio ambiente e seus ecossistemas, uma grande oportunidade de juntar desenvolvimento e a sustentabilidade em prol de uma economia mais verde, saudável e competitiva.

Eustáquio: O Chile pretende usar a energia solar do deserto de Atacama e os ventos do Estreito de Magalhães para gerar o hidrogênio verde assim como o Brasil tem plano similar no Ceará. Os dois países estão com planos convergentes em termos de uso das energias renováveis para obtenção do H2 verde.

O mundo está demandando hidrogênio verde? Para quais aplicações? Quais países estão mais avançados?

Eduardo: O mundo está demandando praticamente qualquer tipo de hidrogênio e os países, como o Brasil, que tem o privilégio de contar com uma grande matriz energética limpa deverá se destacar principalmente nas áreas da mobilidade humana e de carga, pois o hidrogênio poderá substituir desde o combustível dos carros, de trens, de navios, caminhões e aviões, o futuro do H2V é muito promissor.

Eustáquio: Sim, o H2 verde é a energia do futuro. Aplicações nas empresas que demandam substituição de fontes de energia que emitem carbono, e nas aplicações veiculares será fundamental para eliminar as emissões ricas em carbono e material particulado, por exemplo, emitindo vapor de água e calor via célula a combustível.

Quais montadoras de caminhões estão com projetos mais adiantados no desenvolvimento de veículos movidos a hidrogênio verde?

Eduardo: Eu enxergo que haverá um período de transição onde os veículos híbridos irão dominar o mercado até a chegada dos veículos puramente à hidrogênio, uma transição que levará ainda uns 10 anos para se consolidar.

Eustáquio: Pelo que se acompanha nos press releases praticamente todas estão de uma forma ou de outra com um “olho gato e outro no peixe”!
A Hyundai tem apresentado soluções a curto prazo para caminhões a fuel cell com previsão de entrega em 2025 para clientes da Suiça, modelo Xcient, por exemplo.

Quais as perspectivas para o hidrogênio verde no Brasil? E quais as perspectivas para ele ser produzido a partir da cana-de-açúcar?

Eduardo: São ótimas as perspectivas para a produção de hidrogênio à partir do etanol, eu apenas destacaria que num futuro muito próximo a base do etanol do Brasil, assim como nos EUA, será de milho dada sua alta eficiência na produção de etanol que chega a 450 litros por tonelada ante a 95 litros por tonelada de cana de açúcar, no máximo.
Essa produtividade, aliada a quantidade de produtos de valor agregado que se pode extrair do milho (5 contra 3 da cana), tem tudo para se tornar a grande aliada na evolução da produção de H2V no Brasil.

Eustáquio: Creio que para o Brasil é a solução mais pragmática, pela logística de distribuição do etanol C2H5OH, e localmente se processar e obter o H2. O etanol em aplicação veicular implementado da década de 70 para mitigar impactos da redução de exportação de petróleo pelos países árabes principalmente, hoje se torna uma alternativa logística para o hidrogênio. Temos que de fato agradecer aos envolvidos no programa Proálcool, a herança é de grande valia.

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