Formada em Direito e com especialização em direito da economia e da empresa, Letícia Pineschi Kitagawa, além de especialistas em transporte rodoviário de passageiros, faz parte do conselho da Abrati, Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Passageiros e, na entidade, também é a responsável pelas áreas de marketing e comunicação. Carioca, Letícia também atua no Grupo Guanabara, um dos maiores conglomerados de empresas de transporte de passageiros do Brasil, fundado pelo empresário Jacob Barata em 1968 na cidade do Rio de Janeiro.

Nesta exclusiva entrevista à Transpodata, Letícia deixa claro que os empresários de ônibus estão ávidos por inovações e prontos para renovar a frota depois de um longo período de crises, primeiro econômica e, em seguida, sanitária, ambas com drástica queda no número de passageiros transportados. E ao avaliar, logo no início da entrevista o Buser, app para transporte coletivo, a especialista é enfática: “eles precarizam o sistema e promovem a insegurança viária”.

TranspoData: Qual a posição da Abrati sobre o app Buser?

Letícia Pineschi: A posição da Abrati sobre a Buser, enquanto entidade que zela pelos interesses dos associados e fomenta o desenvolvimento do setor preservando a ética, pluralidade competitiva e a qualidade da entrega à população, é que o modelo de “fretamento colaborativo” proposto pelo app fere às garantias conquistadas pelo consumidor contidas na regulação, bem como a isonomia competitiva dos operadores.

Isto porque insere no sistema operadores por vezes amadores, que além de não autorizados ao transporte público regular operam sob condições privilegiadas, tais como a escolha de rotas exclusivamente rentáveis, a condição de partida apenas com ocupação interessante, partidas em localidades fora dos terminais que possuem contratos com os municípios gerando prejuízo a terceiros, além de promover uma concorrência que precariza o sistema e promove a insegurança viária.

Quando entretanto o BUSER opera com a distribuição de passagens de empresas autorizadas ao serviço regular, a ABRATI não faz qualquer restrição à plataforma, muito pelo contrário, quanto mais marketplace para oferta de serviços rodoviários melhor.


TranspoData: Aonde e como é possível inovar neste setor? Que tipo de resposta as empresas regulares podem dar à proposta do Buser?

Letícia Pineschi: Sendo muito sincera não vejo inovação alguma neste modelo Buser além de romper com a regularidade hoje, pois desde 2012 se vende passagem pela internet. Talvez na questão da captura dos dados e comportamento de compra do cliente eles possam trazer a certeza ao mercado do quanto trabalhar com esses dados é importante e que essa seja uma lição que fique para as empresas menos digitais regulares, em se apropriar melhor dessas informações. No mais vejo publicidade, algumas fake news e bastante espuma. No tocante à inovação no setor regular, distante do tema mencionado dos aplicativos, acho que o próximo e urgente passo é a compra de conexões entre empresas, entre segmentos e entre modais de transporte, o monitoramento do ônibus em tempo real para passageiros também acho interessante, os programas de recompensa interligados, também vejo interessante as iniciativas de redução de poluentes e condução ecológica no setor.

TranspoData: Como as empresas de ônibus rodoviários estão se engajando na Pauta ESG? Isso implica em alguma mudança à vista sobre busca de combustíveis mais sustentáveis que o diesel?

Letícia Pineschi: O compromisso com uma agenda ESG tem ficado cada vez mais evidente no setor, afinal um operador de serviço público tem que ter um padrão de transparência e governança que dê conforto e segurança ao poder concedente para um diálogo sem a desconfiança da sociedade. Assim como há um comprometimento social com as comunidades que atendemos, levamos renda e por vezes somos os únicos aproximar o progresso em determinada região ao passo que possibilitamos que ali se chegue em segurança e com preços acessíveis. Além de formar novos condutores e outros profissionais do ramo. Uma empresa de ônibus consolidada promove muito mais empregos e renda a quem mais precisa, dada a realidade educacional do país, do que uma empresa de tecnologia por exemplo. Além é claro da importância do modal pelos aspectos ambientais. O Brasil é um país rodoviário e um ônibus polui menos que um avião, também um ônibus com controle de emissão de poluentes e plano de manutenção em dia pode retirar da rodovia até 60 veículos com apenas um ocupante que nem sempre estão nessa condição.

TranspoData: Considerando que veículos elétricos são mais apropriados para aplicações urbanas, qual a solução sustentável para ônibus rodoviários?

Letícia Pineschi: Essa resposta aguardamos da indústria tão ansiosos quanto vocês, mas fato é que estamos prontos a aptos a testar tudo que nos for proposto. Apetite de investimento não é um problema vez que já demonstramos que somos resilientes e capazes de nos reerguer em adversidades, se teve algo que essa pandemia testou foi isso, a resiliência das empresas.

TranspoData: A pandemia atual provocou alguma mudança sanitária que permanecerá mesmo quando não houver mais riscos de contágio?

Letícia Pineschi: Acredito que sim, muitos hábitos serão incorporados, não apenas no que tange a relação passageiro e empresa mas especialmente no que se refere ao monitoramento e proteção da saúde do colaborador da linha de frente.

TranspoData: O que é possível fazer, de efetivo, para combater o transporte clandestino de passageiros?

Letícia Pineschi: Acredito que a fiscalização efetiva é algo que não pode ser relativizado, é preciso incorporar tecnologia na fiscalização. Foram por exemplo instaladas centenas de câmeras nas rodovias mas elas não servem para monitorar o trânsito frequente de determinados veículos que obviamente estão realizando serviços cuja frequência e trajeto merecem uma averiguação, além do que a PRF precisa ter os convênios firmados com a ANTT para entrar em ação. Por outro lado, pode-se aplicar a pena de perdimento a um veículo transportando mercadorias sem nota fiscal, mas a pena de perdimento não pode ser aplicada ao veículo que tenha reiteradas multas por transporte irregular e que coloca em risco vidas. Enfim, falta a efetiva vontade de atuar, desde legislação até efetivo para fiscalizar.

TranspoData: Como oferecer melhorias ao sistema mantendo o preço da passagem competitivo em relação a outros modais como automóvel e avião?

Letícia Pineschi: O ônibus já possui muitas vantagens em relação ao avião, a capilaridade é a maior delas, são quase 98 mil pares de origem x destino, isso é invencível. Conforto considerando a frota aérea x terrestres, igualmente mais interessante no modal rodoviário. Preço não me parece um problema, semana passada mesmo presenciei o despacho no aeroporto de Guarulhos de duas malas São Paulo x Cuiabá que somadas custaram mais que as passagens ida e volta em ônibus executivo e não estamos falando de avião regional, são capitais.

Acredito que uma boa estratégia de precificação com a utilização inclusive de inteligência artificial, pode auxiliar com eficiência as equipes de pricing na elaboração de preços competitivos que remunerem a empresa de modo a dar condição de renovação e modernização da frota, o que aliás já é testado em muitas empresas da ABRATI com sucesso.

TranspoData: Quais são os critérios que os frotistas de ônibus rodoviários mais consideram para aquisição de um veículo novo? E como eles decidem por um ou outro encarroçador e uma ou outra marca de fabricante de chassis?

Letícia Pineschi: Como entidade, percebemos que a jornada dos clientes de fabricantes de chassis e montadoras são bem objetivos, a avaliação de qualidade do produto, ou seja, que ele impulsione as vendas de assentos, tenha baixo custo de manutenção e consumo de combustível, seu preço de aquisição e bom valor de revenda, já que estamos falando de empresas que na sua maioria adquirem veículos 0 km.

TranspoData: Quando falamos de transporte de passageiros de longa distância, seria possível, no Brasil, haver intermodalidade considerando, por exemplo, complementação entre ônibus e trem? Há algum estudo neste sentido?

Letícia Pineschi: Claro! Seria o melhor dos mundos, todos os modais inclusive, aéreo, terrestre e aquaviário, considerando inclusive last mile. E isso vale para linhas de qualquer distância, o melhor dos mundos é buscar na origem e entregar no destino final, sempre privilegiando o transporte coletivo, que impactaria menos o meio ambiente e proporcionaria uma receita de serviços e oportunidade de emprego. Essa integração, entretanto, depende de políticas públicas e integração de sistemas, seria muito mais interessante estarmos aqui canalizando nossas energias nessas propostas ao invés de estarmos falando em transporte clandestino até hoje.

TranspoData: Qual a idade média da frota nacional de ônibus rodoviário? E o que é possível ser feito para haver uma grande modernização e renovação dessa frota?

Letícia Pineschi: Segundo dados da ANTT de 7 abril de 2021, retirados do panorama de inclusão de frota no sistema, o transporte rodoviário interestadual de passageiros tem média de idade de 7 anos. No que diz respeito à ABRATI acredito que passados os efeitos mais severos da pandemia continuaremos a realizar renovações de frota regularmente, veja exemplos, já foram anunciadas as compras de mais de 271 veículos para JCA, Aguia Branca foi a primeira a operar os novos G8 da Marcopolo semana passada, Gontijo anunciou compras, Grupo Guanabara realizou a aquisição de 32 veículos para 2021 ainda, ou seja, não vejo problemas na ABRATI para superar as adversidades e preparar-se para a retomada.

TranspoData: Há espaço para novas empresas operarem no Brasil?

Letícia Pineschi: Acreditamos que sim, mas cada mercado tem que ser avaliado de modo bastante analítico, com dados e não cedendo a suposições ou pressão feita por fake News. Quero dizer, há que se pensar numa concorrência saudável, com viabilidade econômica para os operadores, algo que não precarize o mercado a longo prazo e comprometa a segurança dos passageiros com diversos operadores amadores e disputando loucamente eixos como já observamos em outros países. Importar o fracasso é um engano vergonhoso.

TranspoData: Como a senhora imagina que vai ser o transporte rodoviário de passageiros até o final desta década? O que pode mudar? Como serão os ônibus?

Letícia Pineschi: Anseio que tenhamos na prateleira dos operadores de turismo produtos turísticos com a passagem do serviço regular, todos os sistemas interligados para vendas, modais interligados, acompanhamento dos veículos em tempo real, terminais com serviços e comercio descente, a preços competitivos, cujo entorno esteja livre de clandestinos, comercio de drogas ou outros problemas que sabemos que acontecem. Veículos mais ecológicos rodando por sistemas viários cientes que dentro deles estão pessoas e não mercadorias, por isso não faz sentido submetê-los a filas de balanças de carga ou pedágio e muito mais. Afinal foi sonhando muito alto e ousadamente que os pioneiros chegaram até aqui e minimamente nos compete o inconformismo para darmos continuidade ao que nos foi entregue.

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