Mesmo com quase nenhum incentivo do governo, empreendedores e iniciativa privada lutam para oferecer mobilidade urbana mais sustentável aos brasileiros.

Há cinco anos a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, começou um ambicioso projeto para desenvolver um ônibus elétrico movido a energia solar. Na época o governo federal fez aporte de um milhão de reais e empresas como WEG (que fabrica motores elétricos), Marcopolo (encarroçadora), Eletra (que produz tração elétrica) e Mercedes-Benz (montadora) deram suporte técnico para viabilizar a empreitada.

O governo era outro e a ideia era antecipar tendências e criar tecnologias capazes de suportar um programa de Cidades Sustentáveis. Além disso, outro importante objetivo estava em pauta: fortalecer o domínio e a presença das tecnologias relacionadas às placas solares e à energia fotovoltaica em território brasileiro antecipando tendência que observamos fortemente agora.

A iniciativa deu resultados: o primeiro ônibus elétrico brasileiro, batizado de eBus, movido exclusivamente a energia solar, começou a operar em 2017. A energia, limpa, era produzida por placas solares instaladas na própria universidade e o ônibus, com baterias de lítio no teto, tinha autonomia para rodar até 70 quilômetros. Funcionou bem e serviu como meio de transporte dos estudantes.

Mas o governo mudou e, em 2019, o ministério decidiu não bancar mais o projeto cujo custo anual foi calculado em, apenas, 135 mil reais. Professores e alunos até tentaram seguir sem recurso estatal, na base da “vaquinha”, contudo o total arrecadado foi suficiente para manter o eBus apenas por mais alguns poucos meses. Em janeiro do ano passado, a inovação nacional parou de circular.

O fato, isolado, é uma amostra clara de como as iniciativas acadêmicas de inovações são tratadas no Brasil pelo governo. O fato é ainda mais grave quando observamos que o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), vinculado ao Ministério da Tecnologia, teve em 2021 o menor orçamento para pesquisas em duas décadas: R$ 1,2 bi, pouco mais da metade do que tinha no ano 2000. Nos últimos dez anos, a queda de bolsas foi de 32% para os mestrados e de 20% para os doutorados.

O desastroso resultado disso é a fuga de talentos do Brasil para o exterior e um devastador atraso tecnológico. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 0,2% da população brasileira possui doutorado, enquanto a média dos países pertencentes à organização é de 1,1%. E, ainda assim, nossos poucos doutores, desiludidos e sem nenhum apoio governamental, estão indo embora.

A comunidade acadêmica e científica representada por entidades como Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais (Andifes), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e outras –, vem emitindo reiterados alertas sobre esse problema que, no médio e longo prazo, vai comprometer os avanços da ciência e da engenharia nacional.

No transporte rodoviário, cópia do que já deu certo

Enquanto universidades e startups apresentam, mundo afora, soluções eficientes em mobilidade e sustentabilidade urbana resta ao Brasil seguir o quanto for possível as tendências pois não tem a menor condição de estabelecê-las.

Mesmo assim, inspirados em novidades que funcionam em outros países, ainda há iniciativas criativas e interessantes no País. Quando se trata de transporte coletivo de pessoas, a startup Buser vem ganhando espaço e incomodando as operadores tradicionais como o Uber incomodou os taxistas.

A Buser começou há quatro anos e funciona por meio do fretamento colaborativo. De acordo com a empresa, a iniciativa foi inspirada em algo que já acontece em países como Alemanha, EUA e Espanha. A ideia é simples: pessoas que querem viajar de ônibus se cadastram, colocam datas e horários, e o app consegue agregá-las valendo-se de ônibus, que muitas vezes ficavam ociosos, de empresas de fretamento. A passagem fica mais barata e há alguma flexibilidade para embarque e desembarque.

Trata-se de um modelo de negócio de intermediação, o que permite que as passagens sejam mais baratas, uma vez que há uma cobrança mais justa em forma de rateio. Por meio do fretamento colaborativo, o passageiro consegue se cadastrar no serviço pelo aplicativo da Buser e entrar em um grupo de viagem para o destino e datas selecionados a fim de garantir um lugar no ônibus fretado pela empresa, sendo que o valor do serviço do frete é dividido por cada um dos usuários.

Na mobilidade coletiva urbana, sinais de inovação

Especialistas apontam que o atual modelo de remuneração do serviço baseado no pagamento de tarifa pelos passageiros precisa ser modificado. Segundo estudos, essa lógica causa dois problemas que vem afastando os passageiros do sistema: tarifas sobem todos os anos e as empresas lucram pela quantidade de passageiros e a consequência disso, claro, são os ônibus cada vez mais lotados.

A Mercedes-Benz recente lançou seu chassis elétrico para operações urbanas (veja reportagem nesta edição), produto com zero emissão de poluentes que certamente vai prevalecer nas grandes metrópoles mas cujo custo ainda é três vezes superior ao seu similar movido à diesel. O diretor de vendas de ônibus, Walter Barbosa, foi enfático: “para melhorar o sistema é preciso remunerar pelo custo da viagem por quilômetro e não por passageiro”


É evidente que montadoras, que não dependem necessariamente de verbas governamentais, já têm, prontas e disponíveis tecnologias capazes de proporcionar mobilidade urbana mais sustentável. A eletricidade, que é silenciosa e livre de emissões, move trens, metrôs, VLTs e, também, ônibus. O que precisa agora, para dar certo, é o governo fazer a parte dele, não apenas mexendo na legislação para apenas obrigar frotistas a terem veículos de última geração tecnológica e mais amigáveis ao meio ambiente, mas que o sistema seja rentabilizado de maneira mais eficiente e, igualmente, amigável para todos os envolvidos: passageiros e operadores.

Nesta edição especial de Transpodata, em que abordamos a mobilidade de pessoas, acompanhe entrevista exclusiva de Walter Barbosa, diretor de vendas de ônibus da Mercedes-Benz e com a Letícia Pineschi, Diretora da ABRATI representando o Grupo Guanabara, e os mais importantes lançamentos que começam a melhorar o transporte de pessoas tanto nas cidades como, também, nas rodovias.

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