A necessidade de o Brasil ampliar a produção de grãos nos próximos anos para seguir sendo um dos grandes provedores de alimentos no mundo – e, possivelmente, o maior em breve – coloca um desafio ao setor de transportes. Será preciso manter permanentes investimentos para atender a demanda, seja com aumento da frota rodoviária, bem como com a melhor distribuição das cargas com outros modais. Outro grande desafio está o atendimento do mercado urbano, em transformação com a pandemia, e que acelerou as compras digitais.

Marcos Fava Neves, professor das Faculdades de Administração da USP, em Ribeirão Preto, e da EAESP/FGV, em São Paulo, indica nesta entrevista os caminhos que o setor de transporte precisa seguir para dar sustentação ao agronegócio, que deve agregar, nos próximos 10 a 15 anos mais uns 15 milhões de hectares para produção de alimentos. O especialista em planejamento estratégico do agronegócio, conhecido por Doutor Agro, mantém programas em canais digitais onde expõem a realidade do setor.

Marcos Fava Neves, Doutor Agro

Revista Transpodata – Já de longa data o agronegócio tem sido o grande balizador da economia brasileira, com ênfase ainda maior em alguns estados do Sul e do Centro-Oeste. Fala-se muito que o setor é competitivo da porteira para dentro, mas que se perde, principalmente, nas estradas. Com condições de transporte mais favoráveis, como avaliaria e projetaria o futuro do agronegócio brasileiro? Poderia se tornar o mais competitivo do mercado global?
Marcos Fava Neves – Sem dúvida, o agronegócio brasileiro tem uma longa data de vantagens no que se chama dentro da porteira, que é a fazenda, e antes da porteira, que são os insumos, setor muito positivo, com baixo custo de produção. Uma das principais perdas era no pós-porteira, justamente no transporte entre a fazenda e os portos, pois boa parte da produção é exportada. Mas vem melhorando muito com a pavimentação e as concessões das estradas para iniciativa privada. Com um modelo de transporte mais moderno, o Brasil tem condições de se tornar ainda maior no mercado mundial do agronegócio.

Transpodata – Quais são, na sua avaliação, os principais problemas de logística e transporte que precisam de solução imediata, de curto prazo, no Brasil, para melhorar ainda mais a capacidade competitiva do agronegócio brasileiro?
Fava Neves – Entre os principais problemas ainda há o desequilíbrio da matriz, se precisaria uma maior participação dos modais fluvial e ferroviário. Seria importante. Tem rodovias que ainda não favorecem o trabalho do caminhão e dos caminhoneiros. Há melhorias, mas ainda faltam pontos de ultrapassagem mais fáceis e rotas mais adequadas, tem a idade da frota e dos equipamentos, que consumiram menos se estivessem equipados com motores mais modernos e eficientes. São pontos que travam a atividade. A sazonalidade também atrapalha, porque se tem grandes volumes transportados em épocas bem definidas, mas existe baixa capacidade de estocagem nas fazendas e cooperativas.

Transpodata – Os equipamentos de transporte hoje oferecidos estão adequados ao agronegócio nacional? Precisamos melhorar os implementos de transporte? Em que fatores devem ser feitas estas melhorias?
Fava Neves – Os equipamentos novos oferecidos são, sim, absolutamente adequados. Talvez haja excesso de capacidade no sistema para atender a sazonalidade e o envelhecimento do sistema.

Transpodata – Existe forte dependência do transporte rodoviário para a transferência de cargas do campo para os centros consumidores. Entende ser necessário mudar esta condição, passando a investimentos nos modais ferroviário e pluvial/marítimos?
Fava Neves – O Brasil tem proporção alta de transporte rodoviário, e investimentos no marítimo e ferroviário, com o crescimento, serão necessários. Mas sempre haverá espaço para o frete rodoviário. Porém, investimentos no transporte com menos emissões e mais eficientes terão de ser feitos. Há de ressaltar, no entanto, que deve crescer muito o volume transportado, o que mostra que o mercado será mantido.

Transpodata – Os implementos rodoviários produzidos internamente estão alinhados com o que precisa o agronegócio nacional? Quais são os fatores positivos e quais os negativos? O transporte ferroviário e pluvial se adequariam melhor ao transporte de longas distâncias?
Fava Neves – Os modais ferroviário e hidroviário se adaptam bem ao transporte de longa distância e também nos trechos muito congestionados. Seria, principalmente, por aí a prioridade. Mas trabalhando sempre na busca de evitar perdas de carga, usando sistemas de transporte de cargas mais lacradas e também o lado tecnológico para melhorar a segurança do motorista e do transportador, evitando assaltos, por exemplo.

Transpodata – Qual sua avaliação sobre os equipamentos oferecidos para o transporte interno nas propriedades? Existe espaço para melhorar? Em quais fatores?
Fava Neves – No transporte interno nas propriedades é comum se usar maquinários mais antigos por prestarem um bom serviço, mas que eventualmente podem não ser os mais econômicos. Por outro lado, por ter valor mais baixo, em função da depreciação e por ser para uso dentro das propriedades, continuam em operação. Tem aí um dilema interessante: troca por algo mais novo e eficiente ou segue usando o mais antigo, já depreciado, mas que é considerado bem competitivo na sua avaliação?

Transpodata – E a situação do transporte urbano, com entrega direta aos mercados e consumidores? Os equipamentos são compatíveis com as necessidades do setor? Onde ainda falhamos e como melhorar?
Fava Neves – Esta é a grande revolução do transporte urbano, inclusive a entrega, mesmo da agricultura periurbana, diretamente aos restaurantes. Com a pandemia se teve uma explosão da compra digital e dos marketplaces. Evoluímos 10 anos em três meses em relação a aceitação disso. Será preciso um transporte urbano mais rápido e eficiente, feito com motos ou pequenos veículos transportadores. Será uma explosão no mercado, é ponto importante. Precisaremos de equipamentos com motores muito eficientes e pouco poluentes. Isto vai crescer muito.

Transpodata – Temos, atualmente, muitas discrepâncias quanto à qualidade dos equipamentos de transporte quando avaliamos os diferentes tipos de produtos do agronegócio. Por exemplo, transporte de animais vivos x transporte de grãos. Isto se reflete no setor como um todo ou fica restrito ao setor com menor qualidade de transporte?
Fava Neves – Todos estão evoluindo, mas normalmente no transporte de animais, que se dá mais longe dos grandes centros urbanos, é comum usar caminhões mais antigos. Mas eles estão prestando seu serviço, ainda que mais poluentes e depreciados. Uma troca só se justifica se provar que o investimento é algo que se pague. Já no transporte dos grãos, onde é necessário andar por estradas melhores e movimentadas até chegar aos portos, a prática é ter caminhões mais modernos.

Transpodata – Atualmente, temos caminhões com tecnologia embarcada similar aos mercados mais desenvolvidos no mundo. Temos o mesmo padrão em implementos rodoviários, nos vagões de trens ou nas barcaças? Existem oportunidades para melhorar estes segmentos?
Fava Neves – É impressionante como a tecnologia está sendo usada nos caminhões, nos vagões e nas barcaças. Ela está ficando mais barata com a produção em escala. Tem oportunidades para melhorar, mas estes dados de indicadores, rastreamento e números de eficiência já são muito importantes.

Transpodata – Como analisa o futuro do agronegócio brasileiro? O que será necessário o segmento de transporte fazer para acompanhar a evolução?
Fava Neves – O Brasil é um dos principais e caminha para ser o maior fornecedor de alimentos no mundo de forma sustentável. Teremos de crescer muito nos próximos 10 a 15 anos, precisando agregar uns 15 milhões de hectares para grãos e tirando de pastagens para poder abastecer o que o mundo precisa. O transporte no agronegócio é algo sensacional, já cresceu muito, mas ainda crescerá mais pelos próximos anos.

Indicadores robustos

– No boletim de maio, a Companhia Nacional de Abastecimento estimou a safra de grãos em 271,7 milhões de toneladas para o ciclo 2020/2021, incremento de 5,7% sobre a anterior. Em relação a área deve ocorrer aumento de 4,1%, para 68,62 milhões de hectares.

– Em março, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, as exportações do agronegócio alcançaram US$ 11,57 bilhões, maior valor já registrado para o mês desde o início da série histórica em 1997, e crescimento de 28,6% em relação ao mesmo mês de 2020.

– Dados divulgados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil indicam um Valor Bruto da Produção Agropecuária estimado em R$ 1,19 trilhão para 2021, crescimento de 15,2% em relação a 2020. As cadeias da agricultura devem faturar R$ 798,7 bilhões, incremento de 19,3%, com grande destaque nas receitas de soja e milho. Já as cadeias da pecuária devem responder por R$ 394 bilhões, alta de 7,6%.

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