O pêndulo começou a ficar mais favorável ao meio-ambiente quando, efetivamente e de maneira global, ser sustentável passou a ser um bom negócio. A luta dos ambientalistas, embora gloriosa e necessária, sempre surtiu pífio efeito. Mas a partir do momento em que grandes instituições financeiras junto com a ONU decretaram que empresas com conduta ambiental amigável passam a valer mais, milagrosamente, o mundo começou a respirar mais aliviado.

As coisas começaram a mudar no início deste novo século. Foi quando nasceu, em 2004, uma sigla com apenas três letras e que vem promovendo positivas transformações: ESG que, em inglês, significa “Environment, Social and Governance” (meio ambiente, social e governança). A ideia é avaliar as empresas de acordo com seus impactos e desempenho nessas três áreas: meio ambiente, social e governança corporativa. Foi, então, criado o índice ESG que serve como um guia de investimentos com foco em sustentabilidade. Ou seja, resumidamente, a organização que melhor trabalhar esses três aspectos passa a ser, também, mais rentável.

Esse é um movimento global e irreversível. Cresce em todas as direções. E como a logística envolve tudo que precisa sair de um local e chegar a outro, as atenções se voltaram ao transporte. Grandes marcas, responsáveis pela movimentação de uma quantidade imensa de carga ao redor do mundo, passaram a investir maciçamente em mobilidade mais verde. A alternativa tecnológica mais viável, e limpa, até o momento, é a eletrificação.

Veículos elétricos não emitem poluição alguma. Nem mesmo fazem barulho. Montadoras e sistemistas já têm pleno domínio desta tecnologia. Por isso mesmo, transportadoras de peso como a DHL, a maior empresa de logística do mundo, anunciou recentemente que 60% da sua frota mundial serão de veículos elétricos até 2030. Isso significa 80 mil veículos.

No Brasil não será diferente. Mas aqui há um impeditivo de ordem econômica. Caminhões elétricos custam o dobro de um novo convencional na Europa e, ainda sem previsão para produzi-los no País em larga escala, importá-los tornaria o valor operacionalmente impraticável. Há, certamente, opções de veículos leves como o e-Delivery, da Volkswagen, e as oferecidas pelas chinesas BYD e JAC, cujos valores são 100% a mais que seus similares a diesel.

Outra possibilidade que começa a ser bem avaliada na Europa e tem boas chances de ser uma alternativa economicamente mais viável para a realidade nacional é o retrofit, que consiste em transformar um caminhão convencional em elétrico.

A primeira experiência neste sentido, no Brasil, vem da Ambev. A fabricante de bebidas anunciou que vai converter 102 caminhões com motores a diesel em modelos movidos a energia elétrica. O projeto conta com a participação da Enel X (divisão da distribuidora de energia que atua no setor de soluções de energia avançada) e a Eletra, fabricante nacional de ônibus elétricos, híbridos e trólebus.

Ambas fizeram testes bem-sucedidos com dois modelos piloto e a Ambev ficou satisfeita com os resultados. Ao rodar pela cidade de São Paulo, os veículos emitiram 0,05 kg de CO2 por viagem, ou seja, um índice quase perto de zero.

Outras vantagens foram destacadas: consumo 70% inferior ao caminhão similar movido à diesel e significativa redução da manutenção, além, claro, de se permitir entrega a noite uma vez que os veículos também não fazem qualquer ruído.

“Ficamos muito satisfeitos com a eficiência dos caminhões que foram testados e enxergamos o retrofit como alternativa para acelerar a entrada de veículos elétricos na operação, reduzindo a emissão de poluentes em todo o ecossistema”, afirmou Marco Aurélio Filho, gerente de suprimentos e logística da Ambev.

Fernando Rodrigues, executivo da ZF

A Ambev espera que os 102 caminhões modificados entrem em operação ainda neste primeiro semestre. De acordo com Marco Aurélio, “esse trabalho representa mais um passo para a Ambev atingir sua meta de reduzir em 25% a emissão de CO2 em toda a sua cadeia até 2025”.

Na mesma toada da Ambev e buscando se enquadrar nas diretrizes ESG vem o Grupo Via Varejo, dono das marcas Casas Bahia e Ponto Frio. Como essas lojas movimentam grande volume diário de carga, fundamentalmente em logística urbana, a ideia é fechar 2021 já com 20 veículos comerciais elétricos em operação.

“A partir desse ano, incorporamos as práticas com foco em ESG em nossa estratégia de negócio e seguimos com estudos constantes para a adoção de formatos mais sustentáveis em nossos modais logísticos, um dos principais emissores dentro da nossa operação”, diz Sérgio Leme, vice-presidente de operações da Via Varejo.

Com exceção do e-Delivery, desenvolvido pela Volkswagen em conjunto com a Eletra, não há muitas opções para um potencial aumento de demanda no País. Mas uma saída, certamente, pode ser o caminho adotado pela Ambev, o retrofit.

De acordo com Fernando Rodrigues, gerente de vendas e serviços da ZF Aftermarket América do Sul, a grande vantagem em se converter um caminhão à diesel em elétrico é que o processo, além de rápido, eleva em apenas 50% o valor do veículo. Ou seja, em vez de ter um caminhão elétrico pelo dobro do preço de um convencional, é possível tê-lo por metade disso. Rodrigues comenta que outra vantagem relevante é o tempo para essa transformação: apenas quatro semanas.

De olho nesse enorme potencial, a ZF formou, na Alemanha, parceria com a startup In-Tech, que já vinha trabalhando com conversões de veículos convencionais de passeio para elétricos, e criou empresa especializada em transformação de veículos mais pesados como caminhões e ônibus. Batizaram-na de e-Trofit e a empresa já vem desenvolvendo diversos projetos na Europa. Na Alemanha, desde 2017, caminhões e ônibus que passaram por essa conversão da startap já estão em circulação.

A engenharia da ZF tem, de longa data, pleno domínio da tecnologia em eletromobilidade. A empresa oferece em seu portfólio produtos de ponta para veículos comerciais elétricos como conversores de frequência, transmissões com motor elétrico e eletrificação nos eixos. Caminhões, ônibus e até tratores fazem uso desses componentes tanto na Europa como nos Estados Unidos há algum tempo.

O que a e-Trofit faz é substituir o trem-de-força assim como outros componentes periféricos pelo conjunto CeTrax, concebido para tração central (montado no meio do eixo trativo), indicada para caminhões pesados, ou pelo eixo portal elétrico AVE AxTrax que é acionado por dois motores elétricos (esse sistema é mais utilizado em ônibus). A ZF tem, também, a CeTrax Light que é mais compacta e indicada para caminhões de 7 a 12 toneladas.

De acordo com Rodrigues, a eletrificação de um veículo à diesel é peculiar e exige projeto individualizado. “Não existe retrofit de prateleira. Para ser um projeto bem-sucedido, é preciso também estudar a aplicação de cada veículo para se fazer uma conversão tecnicamente assertiva”.

A e-Trofit está trabalhando a todo vapor. Mais de 50 pedidos foram feitos por empresas alemãs. Há, também, 80 ônibus convertidos do diesel para elétrico circulando na Alemanha. Rodrigues vê grande potencial no Brasil com toda essa movimentação de frotistas e embarcadores que buscam enquadramento dentro das regras ESG.

“Gradativamente os empresários brasileiros vão notar que o retrofit é uma alternativa economicamente interessante e ambientalmente perfeita para a realidade brasileira”, diz o executivo. A RN Transportes, uma empresa jovem e inovadora que presta serviços logísticos para grandes embarcadores como Lóreal, Amazon e Nestlé, adotou preceitos ESG em suas operações (já faz linhas regulares com caminhões pesados movidos a gás) anunciou que vai adquirir 10 caminhões leves elétricos. Perguntado sobre retrofit, Rodrigo Navarro, proprietário da empresa diz que, embora prefira veículos originais de fábrica, admite acompanhar com muita atenção a evolução desse negócio no Brasil. “Se o frotista estiver seguro com relação à garantia do veículo convertido para propulsão elétrica, possivelmente o negócio pode decolar no País. Caso contrário, acho difícil”.

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