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Um século ainda jovem mas com aceleradas transformações

Em pouco mais de 20 anos uma impressionante revolução tecnológica redesenhou completamente como se transporta gente e carga em todo o mundo

Mauro Cassane

Imagem, Divulgação

O extraordinário em apenas 24 anos deste Século 21 são as transformações que modificaram completamente como se transporta pessoas e carga. Desde o começo do século 21, as montadoras de caminhões e ônibus protagonizam uma revolução tecnológica impressionante e demasiadamente acelerada que mudou radicalmente a mobilidade.

Inovações que, na virada do século ainda pareciam futuristas, hoje fazem parte de nosso cotidiano. E mal nos damos conta. É preciso parar pare refletir a respeito: eletrônica embarcada, conectividade, sistemas de assistência ativa, motores mais limpos, plataformas multienergia são alguns exemplos.

Tudo a nosso redor passou a contar com algum tipo, em maior ou menor escala, de inteligência artificial. E com a mobilidade não foi diferente. Buscando um transporte mais seguro, eficiente e sustentável, veículos comerciais tornaram-se mais inteligentes, conectados — por vezes autônomos.

Essa aceleração toda começou ainda no final do Século 20 entre as montadoras de caminhões com a eletrônica embarcada que abriu as portas para a Internet das Coisas. Com a aceleração das inovações observada nos últimos 20 anos ficou até mais fácil imaginar como será a mobilidade nas próximas duas décadas. O futuro ficou mais claro pois sabemos que teremos estradas mais inteligentes, logística de precisão, veículos autônomos, frotas elétricas ou híbridas e um transporte extraordinariamente sustentável.

O que mudou desde 2001

Nas duas últimas décadas, os avanços tecnológicos não foram apenas incrementais — foram saltos de paradigma. As montadoras brasileiras (e globais com atuação aqui) introduziram desde a década de 2000 melhorias significativas: sistemas de controle eletrônico de motor, injeção avançada, freios ABS em padrões pesados, EGR, pós-tratamento de emissões; depois, transmissões automatizadas/semi-automatizadas, telemetria, diagnósticos remotos, conectividade embarcada, até os motores a gás natural ou biometano, elétricos urbanos, híbridos. Cada salto representou resposta a três vetores: regulação ambiental (normas de emissões), demanda por eficiência operacional (quilômetro por litro, disponibilidade de frota) e segurança (assistência ao motorista, prevenção de acidentes).

Marcas como Mercedes-Benz, Volkswagen Caminhões e Ônibus, Volvo, Scania e Iveco foram pioneiras em trazer para o Brasil tecnologias que antes eram exclusivas de mercados de ponta: sensores e câmeras para ponto cego, sistemas ativos de frenagem de emergência, espelhos substituídos por câmeras (“mirror cam”), cabines cada vez mais ergonômicas, sistemas de apoio à manutenção preditiva via dados embarcados, redes de assistência altamente integradas.

Além disso, houve uma mudança estrutural: as plantas passaram a usar automação e indústria digital, lançamentos vindos de plataformas modulares que facilitam adaptação para diferentes combustíveis ou versões elétricas.

Acompanhando os avanços globais, montadoras do Brasil também protagonizaram avanços importantes. Um bom exemplo é vem da Volkswagen Caminhões e Ônibus ao lançar seu caminhão leve 100% elétrico totalmente desenvolvido no Brasil: o e-Delivery.

A Volvo, por sua vez, consolidou sistemas robustos de segurança ativa, combinando radares, câmeras, alertas de colisão, detecção de pedestres e ciclistas, e refinou aerodinâmica, trem de força e softwares de gestão de frota com telemetria para reduzir consumo e custos operacionais.

Essas inovações tecnológicas, além do motor e do trem de força, transformaram o caminhão, outrora conhecido como “bruto” em um veículo sofisticadamente inteligente que conta com sensores que monitoram pressão de pneus, alertas de fadiga de motorista, sistemas que sugerem trocas de marcha ou otimizam rota com base em tráfego ou relevo, plataformas que permitem atualização remota de softwares, diagnósticos remotos, até monitoramento em nuvem das condições do veículo, facilitando manutenção preventiva antes que o problema cause as indesejáveis paradas (que causam prejuízos).

As transformações, ainda que vertiginosamente aceleradas, são notórias.  Não se trata apenas de motores mais potentes ou cabines mais confortáveis: o século 21 trouxe uma onda de inovações tecnológicas que transformaram segurança, eficiência, conectividade e o próprio modelo de operação das frotas. Nesta reportagem especial, reunimos um panorama autoral das principais inovações que as montadoras implantaram no mercado brasileiro desde 2001 para alinhar essas inovações com os 17 anos de Transpodata.

  • Mercedes-Benz: eletrônica, segurança ativa e indústria 4.0

A Mercedes-Benz investiu em duas frentes complementares: levar ao produto tecnologias de ponta (sensores, câmeras, assistentes) e transformar a produção e o atendimento com digitalização. No catálogo de inovações aplicadas ao caminhão, a MirrorCam — que substitui retrovisores externos por câmeras com telas internas — é ilustrativa da revolução de ergonomia e visibilidade; somada a sistemas como ABA (assistente ativo de frenagem com reconhecimento de pedestre), assistente de ponto cego e piloto automático adaptativo, a montadora elevou o padrão de segurança ativa no segmento extrapesado.

Ao mesmo tempo, soluções telemáticas como o Fleetboard e plataformas de gestão permitiram que dados de operação se transformassem em manutenção preditiva e otimização de consumo, reduzindo custos e aumentando disponibilidade. No plano fabril, a aplicação de conceitos da Indústria 4.0 — robôs colaborativos, realidade aumentada e exoesqueletos — reforça que a inovação da Mercedes não está apenas no produto, mas na cadeia que o produz e mantém.

  • Scania: modularidade, GNV/biometano e assistência ao motorista

A trajetória da Scania no país é marcada por pioneirismos constantes — da caixa automatizada Opticruise ao sistema Driver Support e, já neste século, à introdução em série de ADAS (AEB, LDW, ACC). Mas o traço mais marcante da Scania no Brasil é a aposta em motores e plataformas multienergia: caminhões projetados desde a origem para operar a gás (GNV/biometano) e, mais recentemente, veículos movidos a biocombustíveis e até a opções 100% elétricas nas linhas de ônibus.

Essa transição tecnológica alia redução de emissões com ganhos de custo operacional à medida que a cadeia de abastecimento evolui. Essa lógica posiciona a marca sueca como referência em sustentabilidade operacional. O uso extensivo de telemetria e de serviços conectados para gestão de desempenho permite manutenção sob medida e mais assertiva e, com isso, os clientes da marca ganham com maior disponibilidade dos caminhões.

  • Iveco: conectividade, IA e plataforma multienergia

A Iveco deu ao Brasil uma plataforma de referência em conectividade e inteligência aplicada à frota. Soluções como o IVECO ON (telemetria, controle 24/7 e manutenção preditiva) e o software SEU (Software de Eficiência Único) mostram como a montadora usa dados para alterar a calibragem do veículo via nuvem — ajustes que geram ganhos de consumo na ordem de dois dígitos em operações reais, segundo a própria empresa.

A estratégia multienergia da Iveco — com portfólio que cobre elétricos (eDaily), médios e pesados a gás/biometano — aponta que a inovação não se restringe apenas à tecnologia embarcada, mas também à oferta de alternativas energéticas integradas à logística latino-americana. A adoção de IA para diagnóstico remoto e atendimento 24/7 evidencia a busca por disponibilidade máxima da frota.

  • Volkswagen Caminhões e Ônibus: eletrificação e digitalização de fábrica

A Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) acelerou sua agenda de eletrificação e digitalização nos últimos anos, apresentando ônibus e veículos urbanos elétricos pensados especificamente para as demandas das cidades brasileiras. Paralelamente, a empresa tem investido em automação de processos e em fábrica digital para reduzir prazos de desenvolvimento e adaptar produtos ao cliente em escala, uma mudança que reduz time-to-market e aumenta a qualidade.

A VWCO também tem focado em plataformas de testes para garantir que as tecnologias de propulsão alternativa (baterias e motores elétricos) sejam compatíveis com a operação local.

  • Volvo: segurança ativa e economia por design

A Volvo consolidou sua reputação histórica em segurança ao trazer ao segmento pesado tecnologias de prevenção de acidentes combinando radares, câmeras e algoritmos que detectam pedestres, ciclistas e outras situações de risco.

Esses sistemas evoluíram para incorporação de assistências que atuam em múltiplas direções ao redor do veículo. Em paralelo, a Volvo manteve foco em aerodinâmica e em otimização do trem de força para aumentar economia de combustível, além de integrar telemática e serviços que permitem planejar rotas e otimizar trocas de marcha, tempo de parada e consumo. A soma dessas soluções implica redução de TCO e aumento de segurança em frotas para médias e longas distâncias.

  • DAF e o ajuste técnico para normas de emissões

Desde sua chegada ao Brasil, A DAF foca sua energia na modernização de motores e no atendimento às normas Proconve/Euro: motores PACCAR MX de última geração (common-rail, VGT, EGR e pós-tratamento) permitem atender Proconve P8/Euro 6 com eficiência e confiabilidade. A DAF investiu também em adaptar sua oferta ao mercado sul-americano, trazendo transmissões automatizadas ZF, tecnologias de redução de consumo e sistemas de gerenciamento do motor que contribuem para a redução de emissões e melhor consumo por quilômetro.

Ficou mais fácil olhar o futuro

Os estudos globais indicam que o mundo está se movendo de forma firme e acelerada para transportes públicos e comerciais tanto zero emissão e zero acidentes. Fica evidente que a digitalização é o caminho dessa transformação que vai, naturalmente, culminar em veículos autônomos. E depois? Ainda não dá para saber. Relatórios da Agência Internacional de Energia (IEA) projetam que ônibus elétricos representarão cerca de 30% das vendas globais de ônibus até 2035, de acordo com os atuais compromissos de políticas.

Quanto aos caminhões autônomos, os estudos, como o da McKinsey, mostrando que operadoras de frete já testam, e se espera que até 2035 haja modelos “autônomos controlados” operando entre hubs, em rotas rodoviárias definidas, com níveis elevados de automação. A tecnologia 5G certamente vai facilitar, e muito, esses avanços.

Além disso, no lado dos ônibus, há estudos e demonstrações recentes de modelos de carregamento inteligente, integração veículo-rede (Vehicle-to-Grid, V2G), uso de energia solar em bases operacionais, otimização de agendamentos de carga conforme tarifas dinâmicas de energia, para reduzir custos operacionais e maximizar eficiência energética. Mas, para levar gente, ainda é prematuro demais para se pensar condução autônomo.

O futuro dos combustíveis no transporte

No transporte de pessoas e cargas, diferentes soluções energéticas começam a ganhar espaço e devem conviver nas próximas duas décadas.

  • Elétricos a bateria (BEV) já despontam como a solução mais natural para ônibus urbanos e caminhões de curta e média distância. São veículos de emissão zero no ponto de uso, silenciosos, com baixo custo de operação e menos manutenção. A barreira ainda está no preço inicial elevado e na necessidade de infraestrutura de recarga rápida e confiável, além da autonomia limitada para viagens longas.
  • Hidrogênio em células de combustível surge como alternativa para caminhões pesados e de longa distância. O hidrogênio verde oferece alta densidade energética, reabastecimento rápido e emissão apenas de vapor d’água. O desafio é a infraestrutura, ainda incipiente, e o custo alto de produção. A tendência é que comece a ser usado em corredores logísticos específicos, apoiado por políticas públicas.
  • Biometano e Bio-LNG representam uma solução de transição promissora, especialmente em regiões com disponibilidade de resíduos agrícolas e urbanos. Além de reduzir emissões, aproveitam recursos locais e podem ser competitivos no custo operacional. Porém, dependem de produção em escala e de redes de distribuição adequadas, além de adaptações nos motores.
  • E-combustíveis e biocombustíveis avançados também entram nesse cenário, principalmente para aplicações onde a eletrificação ou o hidrogênio não são viáveis. A vantagem é que podem ser usados em parte da infraestrutura já existente, mas o custo ainda é muito alto e a produção exige grande volume de energia renovável.

O que se desenha para o futuro é uma convivência entre diferentes soluções: elétricos dominando o transporte urbano, hidrogênio ganhando espaço em rotas longas, biometano se consolidando como alternativa de transição e e-combustíveis aparecendo em nichos estratégicos.

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