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Logística urbana no Brasil: Os desafios da Última Milha

Desafios, inovações e estratégias que estão moldando o futuro das entregas urbanas em um Brasil cada vez mais digital

Redação TranspoData

Imagem, Divulgação

O crescimento explosivo do comércio eletrônico no Brasil não apenas revolucionou a forma como consumimos, mas também desencadeou uma profunda transformação na logística urbana. No centro dessa revolução está o desafio mais complexo e oneroso de toda a cadeia: a última milha.

Essa etapa final, que conecta os centros de distribuição às portas dos consumidores, representa hoje o principal gargalo logístico para empresas de todos os portes. Mais que um simples desafio operacional, a última milha tornou-se um diferencial competitivo decisivo e um campo de constante inovação.

Da prateleira à porta: A nova realidade logística

A migração acelerada do varejo físico para o digital alterou fundamentalmente a dinâmica da distribuição de mercadorias. O modelo tradicional de logística B2B, caracterizado por entregas de grandes volumes em pontos comerciais específicos, cedeu espaço para um cenário radicalmente diferente: milhares de pequenos pacotes precisando chegar a endereços residenciais dispersos por todo o território urbano.

Segundo dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), essa fragmentação da cadeia logística aumentou significativamente a complexidade e os custos operacionais. Ao mesmo tempo, as expectativas dos consumidores evoluíram, com a demanda por entregas cada vez mais rápidas, baratas e rastreáveis tornando-se padrão no mercado.


O cenário brasileiro: Desafios únicos de um país continental

No Brasil, os desafios da última milha ganham contornos ainda mais complexos devido às características específicas do país:

  • Infraestrutura e mobilidade urbana

Os grandes centros urbanos brasileiros, onde se concentra a maior parte das entregas de e-commerce, enfrentam problemas crônicos de mobilidade. Congestionamentos severos, especialmente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, podem aumentar significativamente o tempo de entrega e, consequentemente, os custos operacionais.

Estudos da Confederação Nacional do Transporte (CNT) indicam que o tempo perdido no trânsito pode reduzir em até 40% a produtividade das entregas urbanas. Um veículo que poderia realizar 20 entregas em condições ideais acaba fazendo apenas 12 ou 13 devido aos congestionamentos.

Além dos congestionamentos, a qualidade das vias em determinadas regiões e as restrições de circulação para veículos de carga em áreas centrais adicionam camadas extras de complexidade ao planejamento logístico.

  • A equação financeira da última milha

Os números são reveladores: a etapa final da entrega pode representar mais de 50% do custo total do frete. Essa proporção desproporcional se deve a diversos fatores:

  • Ineficiência operacional: veículos que circulam com capacidade ociosa
  • Custos fixos diluídos: manutenção, depreciação e seguros distribuídos por menos entregas
  • Tempo improdutivo: períodos de espera, tentativas frustradas de entrega e retornos
  • Custos urbanos: pedágios, zonas de restrição e estacionamento

Dados do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS) mostram que enquanto o custo por quilômetro de um transporte de longa distância pode ser diluído em centenas ou milhares de itens, na entrega urbana esse mesmo custo precisa ser absorvido por poucos pacotes, elevando significativamente o valor unitário.

  • Segurança: Um desafio brasileiro

O Brasil enfrenta índices elevados de roubo de cargas, o que adiciona uma camada extra de complexidade e custo às operações de última milha. Segundo dados da NTC&Logística, o prejuízo anual com roubo de cargas no país ultrapassa R$ 1,5 bilhão.

  • Para mitigar esse risco, o setor investe em:
  • Sistemas avançados de rastreamento
  • Escolta em áreas de maior risco
  • Seguros com prêmios elevados
  • Rotas alternativas, muitas vezes mais longas e custosas

A Associação Brasileira de Transportadores de Cargas (ABTC) aponta que existem áreas onde simplesmente não é possível operar em determinados horários ou com certos tipos de carga, limitando ainda mais as opções logísticas.

  • O desafio da primeira tentativa

Um dos indicadores mais importantes na logística de última milha é a taxa de sucesso na primeira tentativa de entrega. No Brasil, esse índice enfrenta desafios particulares:

  • Endereçamento impreciso: ruas sem numeração clara, complementos ausentes
  • Ausência do destinatário: especialmente em entregas residenciais durante o horário comercial
  • Restrições de acesso: condomínios com regras rígidas de entrada
  • Comunicação deficiente: dificuldade de contato entre entregador e destinatário

Dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) indicam que cada tentativa frustrada de entrega representa não apenas um custo adicional, mas também um impacto negativo na experiência do cliente e na reputação da marca.

  • Logística reversa: O fluxo inverso

Com o aumento das compras online, cresce também o volume de devoluções e trocas. A logística reversa, que trata do retorno dos produtos à cadeia de suprimentos, apresenta desafios ainda maiores que a entrega convencional:

  • Processos mais complexos de coleta
  • Necessidade de verificação e triagem dos itens devolvidos
  • Custos elevados por operação
  • Impacto ambiental adicional

Estudos do ILOS apontam que a logística reversa pode representar até 30% do custo logístico total em alguns segmentos do e-commerce, sendo frequentemente negligenciada no planejamento estratégico das operações.


Inovação na prática: Como o mercado está respondendo

Diante desses desafios, o setor logístico brasileiro tem respondido com soluções inovadoras que combinam tecnologia, novos modelos operacionais e colaboração entre diferentes atores da cadeia.

  • Micro-hubs Urbanos: Aproximando o estoque do cliente

Uma das tendências mais promissoras é a descentralização dos estoques através de pequenos centros de distribuição urbanos, conhecidos como micro-hubs. Esses espaços, estrategicamente posicionados em áreas de alta densidade populacional, permitem:

  • Redução significativa das distâncias de entrega
  • Maior agilidade no atendimento de pedidos urgentes
  • Menor impacto do trânsito nas operações
  • Possibilidade de uso de modais alternativos para a entrega final

Segundo a Associação Brasileira de Logística (ABRALOG), os micro-hubs estão redefinindo a geografia logística das cidades. Em vez de grandes centros de distribuição nas periferias, cria-se uma rede capilar que pulveriza o estoque e aproxima os produtos dos consumidores.

Grandes varejistas do e-commerce nacional já implementam essa estratégia em centros urbanos brasileiros, convertendo desde pequenos galpões até lojas físicas subutilizadas em pontos avançados de distribuição.

  • Modais alternativos: Repensando o veículo de entrega

O tradicional furgão de entregas está gradualmente cedendo espaço para alternativas mais ágeis e sustentáveis, especialmente em trechos curtos e áreas congestionadas:

  • Bicicletas e triciclos de carga: ideais para entregas em áreas centrais com restrições de circulação
  • Motos elétricas: combinam agilidade no trânsito com sustentabilidade
  • Entregas a pé: para áreas de altíssima densidade e curtas distâncias
  • Drones e robôs: ainda em fase experimental, mas com potencial disruptivo

Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) mostram que a diversificação de modais não é apenas uma questão ambiental, mas principalmente de eficiência operacional. Uma bicicleta de carga pode ser até três vezes mais rápida que um furgão em áreas centrais congestionadas.

  • Pontos de retirada: Quando o cliente vai até o produto

Uma solução que ganha cada vez mais adeptos no Brasil são os pontos de retirada, conhecidos internacionalmente como PUDOs (Pick-Up and Drop-Off Points) e lockers (armários inteligentes):

  • Comércios parceiros: farmácias, padarias e outros estabelecimentos que funcionam como pontos de coleta
  • Lockers automatizados: armários com acesso por código ou aplicativo, disponíveis 24/7
  • Pontos de conveniência: locais estratégicos como estações de metrô, shopping centers e postos de gasolina
  • Essa modalidade oferece vantagens significativas:
  • Eliminação do risco de ausência do destinatário
  • Consolidação de múltiplas entregas em um único ponto
  • Flexibilidade para o cliente retirar no momento mais conveniente
  • Redução de custos operacionais

A ABComm aponta que os pontos de retirada representam uma mudança de paradigma na logística de última milha. Em vez de levar o produto até cada cliente, cria-se uma rede de pontos estratégicos onde múltiplos clientes podem retirar seus produtos, gerando eficiência para toda a cadeia.

  • Tecnologia de roteirização: Inteligência a serviço da eficiência

Os algoritmos de roteirização evoluíram significativamente nos últimos anos, incorporando variáveis cada vez mais complexas para otimizar as entregas:

  • Condições de trânsito em tempo real
  • Padrões históricos de congestionamento
  • Características específicas de cada entrega (tamanho, urgência, janela de horário)
  • Restrições de circulação urbana
  • Perfil e preferências do destinatário

Segundo a Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços (AFRAC), a roteirização moderna vai muito além de simplesmente encontrar o caminho mais curto entre dois pontos. Os algoritmos processam milhões de variáveis em segundos para determinar não apenas a melhor rota, mas também a melhor sequência de entregas, considerando fatores que um planejador humano jamais conseguiria processar.

Operadores logísticos que implementam sistemas avançados de roteirização relatam ganhos de produtividade de até 30% e reduções significativas no consumo de combustível.

  • Comunicação aprimorada: Conectando entregador e cliente

Aplicativos que facilitam a comunicação entre entregadores e clientes têm se mostrado ferramentas poderosas para aumentar a taxa de sucesso na primeira entrega:

  • Notificações em tempo real sobre o status da entrega
  • Possibilidade de reagendamento com poucos cliques
  • Comunicação direta com o entregador
  • Geolocalização precisa do veículo de entrega

Estudos da camara-e.net indicam que a comunicação eficiente reduz drasticamente as entregas frustradas. Quando o cliente sabe exatamente quando sua encomenda chegará e pode se comunicar facilmente com o entregador, a taxa de sucesso na primeira tentativa pode subir de 70% para mais de 90%.

  • Análise de dados: O combustível da otimização contínua

Por trás de todas essas inovações está o uso intensivo de dados para identificar padrões, prever comportamentos e otimizar continuamente as operações:

  • Previsão de demanda por região e horário
  • Identificação de gargalos operacionais
  • Análise de desempenho de rotas e entregadores
  • Comportamento de consumo e preferências de entrega

A Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) destaca que os dados são o novo petróleo da logística. Organizações que conseguem transformar seu imenso volume de informações operacionais em insights acionáveis estão conquistando vantagens competitivas significativas.


O futuro da Última Milha no Brasil

A evolução da logística de última milha no Brasil continuará sendo moldada por três forças principais: a crescente exigência dos consumidores, os avanços tecnológicos e as particularidades do cenário urbano brasileiro.

Tendências para os próximos anos

  • Entregas ultrarrápidas: o modelo de quick-commerce, com entregas em menos de uma hora, deve se expandir para além das grandes capitais
  • Sustentabilidade como prioridade: pressão crescente por operações de baixo impacto ambiental
  • Colaboração entre concorrentes: compartilhamento de recursos logísticos para ganhos de eficiência
  • Automação crescente: desde armazéns inteligentes até veículos autônomos
  • Personalização extrema: opções de entrega cada vez mais adaptadas às preferências individuais

Segundo projeções da Fundação Dom Cabral (FDC), o futuro da última milha será definido pela capacidade das organizações de equilibrar três fatores aparentemente contraditórios: velocidade, custo e sustentabilidade. As soluções vencedoras serão aquelas que conseguirem otimizar esses três aspectos simultaneamente.


Muito além da entrega

A última milha transcendeu sua função original de simples transporte de mercadorias para se tornar um elemento estratégico na experiência do cliente e na viabilidade do negócio de e-commerce.

No cenário brasileiro, marcado por desafios únicos de infraestrutura, segurança e distribuição populacional, a capacidade de inovar e adaptar soluções às realidades locais será determinante para o sucesso.

As organizações que conseguirem transformar o “problema da última milha” em uma vantagem competitiva não apenas reduzirão seus custos operacionais, mas também conquistarão a lealdade de consumidores cada vez mais exigentes quanto à experiência completa de compra – da navegação no site até o momento em que o produto chega às suas mãos.

A batalha pelo quilômetro final está apenas começando, e promete redesenhar o mapa da logística urbana brasileira nos próximos anos.

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