Frederico Bussinger está sempre em busca das melhores soluções logísticas para o Brasil. Engenheiro elétrico e economista, Bussinger é pós-graduado em engenharia, administração de empresas, direito da concorrência, e mediação e arbitragem. Foi diretor do Metrô/SP, Departamento Hidroviário (SP) e Codesp (Porto de Santos). Presidente da SPTrans, CPTM, Docas de São Sebastião e Confea. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas. Presidente do Consad da CET/SP, SPTrans, RFFSA; da CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Membro do Consad/Emplasa e da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização. Secretário Municipal de Transportes (SP) e Secretário Executivo do Ministério dos Transportes. Nesta entrevista exclusiva à TranspoData, Bussinger falou sobre multimodalidade, sustentabilidade em transporte e, também, analisou os processos de privatizações nestes setores.

Por Mauro Cassane e Rinaldo Machado

TD – Por que a multimodalidade é importante para o Brasil?

FB – Ingressei no Metrô em 1977 onde começou a minha carreira nessa área de transportes. Creio que possamos considerar o Metrô como sendo o grande ponto de inflexão na questão da intermodalidade, uma vez que aí que começou a ideia de integração entre modais para o transporte de pessoas. Quando pensamos em carga, no Século 19 houve a grande expansão das ferrovias no Brasil e, naquela época, elas integravam-se com o transporte por terra e permitiam escoamento eficiente da produção agrícola para todo o Brasil.

TD – Aliás naquela época o Brasil era um exemplo em termos de ferrovia.

FB – Sim e você chegava aos portos. Então se você olhar a malha ferroviária brasileira do século 19 e início do século 20 ela toda é ortogonal perpendicular a costa porque ela buscava os portos então era a única solução. Além disso, o transporte hidroviário já existia na Amazônia. Ele é o centro do transporte ainda nos dias de hoje e é bom que seja assim e as ferrovias passaram a ter um caminho diferente na época o que se queria era resolver o problema do transporte de carga. Essa discussão de sustentabilidade de emissão ainda não existia mas a integração e multimodalidade já era uma contribuição importante.

TD – O metrô começou já com eletromobilidade nos anos 1970…

FB – Exatamente. Já começou a eletromobilidade então isso não é coisa do Século 21 não, isso já estava posto lá atrás depois vamos ter os trólebus, o corredor de Integração no ABC tudo isso já era uma coisa aposta. Agora com as novas tecnologias as novas agendas que são definidas e os valores do fim do século 21 é claro que isso toma um outro rumo e se alarga bastante a as possibilidades que estão postas no dia de hoje eu acho que isso é irreversível, seja do ponto de vista Logístico, seja do ponto de vista ambiental, a integração dos sistemas é um caminho sem volta e é isso que está se buscando.

TD – Como está a intermodalidade no Brasil?

FB – No terminal de Pederneira, interior de São Paulo, temos uma integração trimodal que já ocorre desde os anos 1980. Em Rondonópolis temos, em iniciativa da Rumo, um terminal ligando a malha Norte com a malha Sudeste. Há, ainda, boas iniciativas privadas em portos amazônicos. Mas falta planejamento de longo prazo e isso é uma falha de sucessivos governos.

TD – O Brasil fez uma opção rodoviarista?

FB – Eu não endosso essa tese de que o Brasil fez uma opção rodoviarista. É importante deixar claro que o modal rodoviário é o único modo de transporte autossuficiente e ele é capaz de pegar a carga quase em qualquer lugar e levar a qualquer lugar com raríssimas exceções, no caso de uma ilha, por exemplo. De longe o modal rodoviário é o mais versátil, uma vez que pega carga em qualquer ponto e a desloca para qualquer ponto. Os outros modais precisam de integração e, necessariamente, de suporte do modal rodoviário. Certamente modais como ferroviário, hidroviário e cabotagem têm mais capacidade de carga, mas eles precisam da intermodalidade. Portanto, a eficiência logística passa pela intermodalidade e nunca vai excluir o modal mais versátil de todos: o rodoviário.

TD – O Brasil precisa discutir e pensar mais em soluções logísticas do que discutir modais?

FB – Perfeitamente. E aí eu acho que tem um segundo problema conceitual a ser desenvolvido e a ser trabalhado. Nós temos uma má compreensão do que seja logística porque muitas vezes logística é usada como sinônimo de transporte. E logística é algo muito mais complexo e amplo que contempla métodos, planejamentos, gestão. Vai muito além de simplesmente movimentar uma carga ou pessoas de um ponto a outro. Logística, para começar, precisa se iniciar com um planejamento de longo prazo. E é o que vem faltando no Brasil há décadas. Países que se desenvolveram aceleradamente investiram pesado em logística e bons exemplos temos com a Coréia do Sul e a China.

TD – Planejamento de longo prazo nunca foi o forte do Brasil. Políticos gostam de obras, mas odeiam planejá-las.

FB – Há muitos exemplos de ferrovias sem portos integrados e inúmeros casos de obras paradas no Brasil. O TCU identificou 12 ou 14 mil obras paradas no Brasil e uma boa parte disso decorre do mal planejamento, e não só do planejamento físico-operacional, mas o planejamento financeiro de um projeto. Não dá mais para se pensar em logística e mobilidade urbana como um meio eleitoreiro. Está mais do que evidente que isso nunca vai funcionar.

TD – Por que a intermodalidade é uma boa para o Brasil?

FB – Já imaginou se cada casa em uma metrópole tivesse que puxar seu próprio fio para ter sua energia elétrica? Seria um caos, não? E se cada um tivesse que puxar um caninho para ter água em casa? Um verdadeiro absurdo. Bem, intermodalidade é integração, e se faz necessário exatamente para evitar o caos e promover a ordem. Luz e água são oferecidas aos cidadãos de maneira organizada e eficiente porque há integração de sistemas. Assim também deve funcionar com a mobilidade. Para funcionar bem, e de maneira eficiente, é preciso integrar os sistemas. Mas, acima de tudo, é preciso planejamento. Sem isso, dificilmente um projeto vai sair do papel e ser colocado em prática.

TD – E faz sentido caminhões cada vez maiores levando cargas a distâncias cada vez maiores no Brasil?

FB – Um sistema multimodal geralmente será mais eficiente e sustentável para se transportar cargas em longas distâncias. Seria muito mais prudente e economicamente interessante usar, por exemplo, trem e depois caminhões. Ou, ainda, se valer também de hidrovias. O Brasil tem potencial para implementar de maneira inteligente e viável a multimodalidade.

TD – Isso permitiria até a implementação de caminhões elétricos?

FB – Exatamente. Um caminhão a diesel funciona bem para cobrir longas distâncias, mas um elétrico poderia ser muito bem utilizado em distâncias menores, até 300 quilômetros. A diferença seria coberta por outros modais como embarcações ou trens. Isso sim seria uma logística, eu diria, sustentável.

TD – Privatizações de portos, aeroportos, rodovias e hidrovias são boas ou ruins?

FB – O processo de privatização no Brasil é antigo e estamos falando do governo Sarney para cá. Eu mesmo fui membro da comissão nacional de desestatização no início dos anos 1990, então nos últimos 30 anos nós estamos vivendo um novo ciclo de privatização. Mas se você quiser andar um pouco, retroceder um pouco mais, nós vamos ver que a infraestrutura de transporte, e eu diria quase infraestrutura de uma forma geral no Brasil, foi implantada privadamente. As ferrovias foram privadas, boa parte das rodovias foram privadas, os portos foram implantados privadamente e a telecomunicações foram implantadas privadamente. Até o transporte urbanos por bondes foram feitos pela iniciativa privada. A partir dos anos 1950 tivemos um novo ciclo de estatização. Agora, dos anos 1990 para cá, isso mudou para privatizações novamente. O fato é que não se tem uma receita do que seja o modelo bom ou ruim. É preciso, acima de tudo, que o governo tenha uma boa gestão sobre todo processo por meio de agências reguladoras que devem fazer um trabalho eficiente.

TD – O ambiente atual é positivo ou negativo? Qual que é a tua avaliação?

FB – Eu diria que positivo. Estão seguindo aquilo que vem acontecendo, ou seja, os investimentos estão sendo feitos. A internet 5G está aí e vamos ter melhorias. O bem-sucedido caso do Porto de Santos é um bom exemplo. As coisas estão funcionando bem por lá. Ou seja, já temos bons exemplos de privatizações e devemos, naturalmente, seguir as boas práticas para não corrermos riscos de cometermos erros.

TD – Estamos completando 15 anos de TranspoData. Qual modal deverá ter maior desenvolvimento nos próximos 15 anos no
Brasil?

FB – Quando eu olho a matriz de transporte daqui a 10, 20 anos na frente eu antevejo que haverá um aumento da participação desses outros modos de transporte como hidroviário e ferroviário. Mas, também, teremos um substancial aumento de carga transportada e, sendo assim, o volume para o rodoviário não vai diminuir e sim aumentar. Novas tecnologias vão entrar em ação visando um transporte mais sustentável e isso é algo muito positivo. Vamos ter, sem dúvida, uma logística mais limpa e eficiente, sobretudo segura.

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