Embora todos estimassem expansão neste ano em relação ao magro 2020, poucos acreditaram que seria um crescimento tão aquecido nas vendas de caminhões. Já para o próximo ano uma unanimidade perturbadora: há muitos fatores que podem tanto aquecer como, também, resfriar as vendas de veículos comerciais no Brasil.
Há décadas que se discute a necessidade de renovação da envelhecida frota nacional de caminhões. As montadoras, por meio de sua associação, a Anfavea, já elaborou projeto, apresentou ao governo e nada. Caminhoneiros se mobilizaram e pediram ao governo alguma coisa neste sentido e, até agora, de concreto mesmo, nada. Essa demanda se arrasta há mais de 20 anos. Ideias e projetos são até razoáveis, mas quem precisa colocá-los em prática é o governo. Não aconteceu ainda.
Neste ano de 2021 a discussão voltou à tona. Falaram em subsídio, em aceitar caminhão velho como parte de pagamento, em oferecer linha de crédito, contudo, a única coisa prática e positiva até o momento foi uma bem-vinda desburocratização: foi lançado o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), que substitui mais de 40 documentos diferentes para emissão em uma viagem de origem e destino.
Margarete Gandini, coordenadora geral de fiscalização de regimes automotivos no Ministério da Economia, chegou a afirmar, em maio passado, que o programa de renovação de frota para veículos pesados sairia do papel ainda este ano. Não saiu. O que sempre travou qualquer plano neste sentido é um único ponto: como tirar veículos velhos de circulação monetizando seus proprietários com um montante que seja possível ao menos dar de entrada em um similar seminovo.
O Brasil tem uma frota circulante de mais de 3 milhões de caminhões sendo 20% deste total com motorização abaixo da Euro 2, 40% Euro 3 e 40% Euro 5. Esses dados demonstram que é preciso, de imediato, renovar cerca de 600 mil veículos (ao menos esses caminhões velhos que mal e porcamente atendem as normas da Euro 2). Sem contar que são veículos deteriorados que estão envolvidos em praticamente 90% dos acidentes com caminhões.
A renovação está travada e o que vem acontecendo é o de sempre: apenas empresas bem estruturadas atuam para manter uma baixa idade média da frota. São essas empresas que respondem por cerca de 100 mil novos caminhões emplacados a cada ano no Brasil. Aqueles mais de 600 mil “velhinhos” seguem na ativa e a frota circulante dos alquebrados vai ganhando, ano a ano, mais e mais veículos.
No Brasil só frotista compra caminhões novos. Raramente um autônomo. Enquanto não sair um programa sério e contundente de renovação de frota, que não seja eleitoreiro nem desconectado da realidade (é preciso tirar os veículos velhos e inseguro de circulação e oferecer boas condições de financiamento para seus proprietários), esse quadro não vai mudar.
Lembrando 2021 projetando 2022
Tirando que, mais uma vez, nada se evoluiu em termos de renovação da frota antiga de caminhões, o setor de transporte rodoviário de carga começou muito bem a nova década a despeito da pandemia. Setores como agronegócio, construção, mineração e e-commerce puxaram as vendas de caminhões bem acima do que era o esperado.
De acordo com relatório da Coopercarga, considerando dados apenas de janeiro a abril deste ano, o setor de transporte de carga cresceu 39% em relação ao ano passado. A considerar pelas vendas de caminhões, até novembro esse crescimento seguirá e expansão. “A retomada de crescimento passa, necessariamente, pela atuação e desempenho das empresas de transporte, que têm um papel estratégico no desenvolvimento e é essencial para um bom resultado do PIB nacional”, avalia o presidente da CNT, Vander Costa.
Para Gustavo Bonini, vice-presidente da Anfavea, o segundo semestre deste ano mostrou forte recuperação no segmento de caminhões especialmente “com o crescimento robusto de setores como e-commerce, mineração, agricultura e construção civil”. Os caminhões pesados foram os grandes beneficiários e chegam, agora, a responder por 50% das vendas totais de veículos rodoviários de carga.
“A Conab já espera mais um recorde na safra de grãos, que pode superar 300 milhões de toneladas de grãos, e isso vai contribuir para o segmento de pesados seguir em expansão no próximo ano”, afirma Bonini. Contudo, inflação e juros em alta e, como acontece de quatro em quatro anos, eleições para escolher novos governadores e presidente da República vão gerar algumas travas nessa expansão.
Há, ainda, o problema de crise de oferta com a falta de importantes insumos como semicondutores (que afeta mais o segmento de caminhões pesados) cuja solução, segundo o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, não acontecerá antes do segundo semestre do próximo ano. “Vamos ter algumas melhorias, mas a solução mesmo só é esperada para após o segundo semestre de 2022”.
Há, contudo, fatores que vão pressionar a demanda assim como, também há indícios que vão retraí-la. A pressão virá com a necessidade de mais caminhões para suportar a grande safra de grãos e, também, o e-commerce que vai se expandir ao longo de toda esta década no País. Além disso, como 2023 já vai começar com nova legislação de emissões, o conhecido Euro 6, está previsto também alguma antecipação de compra no próximo ano para fugir dos aumentos que as novas tecnologias vão ensejar.
Márcio Querichelli, presidente da Iveco, resume bem como será a situação do próximo ano: “para 2022 esperamos números parecidos com o que registramos em 2014, mas ainda é cedo para cravarmos um percentual. Destaco aqui a força dos segmentos pesado, puxado pelo agronegócio, e leves, que deve continuar crescendo por conta da alta demanda do varejo. É provável que ainda tenhamos reflexos da crise dos componentes”.
Para o presidente da Iveco, este ano, particularmente, a montadora italiana só tem a celebrar: “no primeiro semestre crescemos acima do mercado em todos os segmentos. O mercado cresceu 50% considerando veículos acima de 3,5 toneladas e a Iveco, no mesmo período, registrou expansão de 71%”.
Já em 2019 o mercado de caminhões deu claros sinais de recuperação acima do esperado. Naquele ano foram emplacadas 101 mil unidades. Com a chegada a pandemia, em março de 2020, veio o grande susto quando a produção de diversas fábricas pararam em abril e foram drasticamente reduzidas nos meses seguintes.
Diz Silvio Munhoz, diretor de Vendas de Soluções da Scania no Brasil: “naquele momento imaginamos que levaríamos meses para o mercado se recuperar da pandemia. Mas, em agosto, os clientes voltaram a demandar e o mercado não parou mais”. O problema é que a cadeia de suprimentos, afetada pelas paralisações causadas pela Covid-19, não tinha como dar conta dessa reaceleração abrupta.
“A alta procura global começou a gerar problemas de falta de componentes para a indústria. Esse tem sido o nosso maior problema. Temos uma cadeia de suprimentos ainda instável, que tem nos demandado realizar ajustes de curto prazo em nossa produção, em conjunto com o sindicato, mas não estamos medindo esforços para atender aos nossos clientes que sofrem com este impacto global”, comenta Munhoz.
Para o diretor da Scania, além do agro, que segue sendo o maior comprador de caminhões, “a grande maioria dos segmentos está aquecida e puxando a demanda por veículos pesados”. De acordo com a nova projeção da Anfavea em 2021 o mercado total deverá crescer cerca de 30% na comparação com 2020, “ou seja entre 130 mil a 140 mil unidades de caminhões e ônibus”.
Porém, tão cauteloso como seus pares na concorrência, Munhoz elenca os entraves que podem jogar água fria na expectativa de maior expansão em 2022: “as indefinições nos rumos da economia brasileira, alta dos juros, os altos custos dos combustíveis, a indefinição política devido as eleições e o problema da falta de componentes para a produção dos veículos, principalmente os semicondutores, são os principais fatores que nos impedem, hoje, de traçar uma projeção do mercado em 2022”.
O executivo destaca que a projeção de um PIB novamente ínfimo para o próximo ano pode gelar ainda mais essa água fria e diminuir os ânimos otimistas. Mas tem aquele velho fenômeno que leva muitos frotistas a antecipar compras para fugir de aumentos que virão com os novos caminhões equipados com tecnologia Euro 6. Munhoz acredita que isso pode sim contribuir para o aquecimento da demanda no segundo semestre do próximo ano mas há quem pense diferente.
“Possivelmente não vai ser como o que aconteceu na introdução dos veículos Euro 5 quando o aumento previsto chegou de uma vez só. Nos últimos dois anos muitas novas tecnologias foram incorporadas aos caminhões nacionais e aumentos foram realizados. Talvez ainda tenhamos uma certa corrida para antecipar compras, mas possivelmente não será da mesma forma como ocorreu em 2011”, comenta Ricardo Alouche, vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen Caminhões e Ônibus.
Com 115.376 novos caminhões emplacados até novembro deste ano, crescimento de 45,06% sobre o ano passado, a projeção, considerando a média de 11 mil novos caminhões emplacados por mês neste ano, é de se chegar a pouco mais de 125 mil unidades neste ano. Alcides Cavalcanti, diretor de vendas de caminhões da Volvo, afirma que a marca sueca foi a que mais acertou as estimativas feitas no ano passado e que essa expansão não foi surpresa para eles.
Comenta o executivo: “fomos a montadora que fez a previsão mais acertada de volumes de mercado, quando prevíamos já no começo deste ano uma expansão de pelo menos 40% nas vendas nos segmentos acima das 16 toneladas. Agora em novembro o mercado já atingiu um aumento de 48,5% nas vendas de caminhões semipesados e pesados. A Volvo registra 48,9% de crescimento nos emplacamentos, acima de nossa previsão inicial”.
Alcides aposta que o ano que vem seguirá aquecido para caminhões “mas certamente não vamos atingir esses índices de crescimento que foram registrados neste ano, até porque 2021 já está com uma base bem elevada de demanda”. Os receios de Alcides para 2022 são os mesmos de seus pares: inflação em alta, PIB em baixa e falta de insumos.
Já para a DAF, que fez oito anos de Brasil, os resultados deste ano foram os melhores de sua ainda curta história. “Ao longo de nosso história já temos mais de 16 mil caminhões na frota nacional circulante, aumentando a nossa participação de mercado para 8,25%. Neste ano, entre janeiro e outubro, a marca aumentou em 42% o número de emplacamentos em relação a todo o ano de 2020”, diz Luis Gambim, vice-presidente comercial da DAF do Brasil.
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