Há mais de 30 anos no negócio de vendas de caminhões e conhecendo frotistas e autônomos de todo o País, Roberto Leoncini é o grande artífice por trás da transformação da Mercedes-Benz em uma empresa que aprendeu a ouvir e atender as demandas dos clientes.
Engenheiro mecânico de formação, Roberto Leoncini iniciou sua carreira no mundo dos caminhões ao entrar na Scania em 1988. Começou logo na área que já tinha afinidade: vendas. Foi uma trajetória de sucesso. Leoncini é o tipo de profissional que tem paixão pelo que faz e sempre teve especial apreço em sair a campo e entender as demandas dos clientes para, em seguida, empreender esforços para atendê-las.
Seu jeito de vender caminhões fez escola na Scania e o levou a posições mais elevadas na estrutura da montadora sueca. Começou como representante distrital, em seguida passou para o atendimento a grandes frotistas, foi promovido a gerente, depois diretor de vendas e, aos 45 anos, assumiu o cargo de responsável pela operação comercial Brasil da Scania ao similar um vice-presidente.
Em 25 anos vendendo caminhões e ônibus, Leoncini também chamou a atenção da alta direção da Mercedes-Benz que buscava um profissional exatamente com esse perfil para retornar à liderança de caminhões e conseguir se manter na frente nas vendas de ônibus. A convite do então presidente da Mercedes-Benz, Philipp Schiemer, Leoncini aceitou o desafio de assumir a vice-presidência de Vendas e Marketing Caminhões e Ônibus da montadora alemã em junho de 2014.
Foi marco tanto na carreira de Leoncini quanto, também, na história da Mercedes-Benz no Brasil. Pode-se dizer que os clientes também ganharam com isso. Em menos de um ano no cargo e com carta branca da alta direção, inclusive dos alemães para impor seu jeito de ouvir clientes, o executivo já desenhava o que hoje é o mantra da montadora alemã: “as estradas falam, a Mercedes ouve”.
Palmeirense de sorriso fácil, fala mansa e apaixonado por culinária (fez até pós-graduação em “padrões gastronômicos”), Leoncini é bom de conversa, sabe ouvir e tem aquela humildade fraternal e natural que conquista confiança. Eu o conheci em 1988, quando ele entrou na Scania e eu, na montadora sueca, era o jornalista responsável pela assessoria de imprensa e pela produção da revista institucional da marca. Somos amigos desde então. Segue abaixo a entrevista que que ele me concedeu e, no videocast no Youtube desta edição de fim de ano de Transpodata, está lá nosso bate-papo.
Com alta tecnologia sendo praticamente uma commodities, vender caminhões hoje em dia ficou mais fácil do que há 20 anos?
Não diria mais fácil e sim diferente. Os transportadores e clientes continuam buscando o melhor custo operacional, só que agora eles têm muito mais opções de tecnologias e veículos que atendem melhor suas necessidades do que há 20 anos. No passado, por exemplo, tínhamos praticamente três modelos que atendiam muito bem às necessidades dos transportadores. Com a profissionalização e a constante busca por redução de custos e atendimento às agendas ambientais, expandimos e muito a oferta. Hoje, temos cinco famílias de caminhões (Accelo, Atego, Axor, Novo Actros e o recém-lançado Arocs) que atendem todos os segmentos do mercado. Isso exigiu uma grande profissionalização de toda nossa força de vendas, tanto da fábrica, quanto dos concessionários.
De modo geral os frotistas brasileiros, exceção feita aos gigantes, falando francamente, estão mesmo preparados e dispostos a ampliar e renovar frotas com essa nova geração de veículos mais tecnológicos, sustentáveis e, naturalmente, muito mais caros?
É importante refletir sobre o que significa “mais caro”. Para quem considera só o preço do caminhão, sempre será mais barato, por exemplo, comprar um veículo usado. Agora, para o transportador que tem uma planilha de custos bem elaborada e controlada, um programa de manutenção e uma capacitação de mão de obra estruturada, entre outros fatores, os novos veículos e toda a tecnologia embarcada só agregam valor à operação. Isso possibilita reduzir ainda mais os custos operacionais e, por consequência, o TCO.
Quando vocês dizem “ouvir a voz da estrada” no sentido de desenvolver produtos que atendam as demandas dos frotistas, vocês consideram e estudam também, por exemplo, uma maneira de viabilizar o acesso dos autônomos a caminhões mais eficientes e mais seguros?
A Mercedes-Benz construiu seus 65 anos de história no Brasil sempre ao lado dos autônomos – muitas grandes empresas de transporte começaram com um caminhão da nossa marca há mais de 40 anos. E temos a certeza de que muitos autônomos de hoje serão os frotistas de amanhã. Todas as inovações e melhorias que agregamos ao novo Actros, a nova referência em tecnologia no Brasil, como ao Axor, o caminhão de melhor custo/benefício do mercado, foram validadas tanto por grandes frotistas quanto pelos autônomos.
Ainda nesta questão, como a Mercedes poderia atuar para pressionar o poder público (governos federal, estadual e municipal) a oferecer condições para o autônomo comprar caminhões se não novos ao menos seminovos?
Nós apoiamos e somos ativos junto à Anfavea, que é a interlocutora do nosso setor com o governo. Ao mesmo tempo, a SelecTrucks, nossa unidade de negócios de seminovos, sempre traz ofertas atrativas para os autônomos, assim como o Banco Mercedes-Benz e o Consórcio Mercedes-Benz. No caso do Banco Mercedes-Benz, atualmente, temos duas soluções que atendem bem os autônomos: BNDES Finame e CDC. Os prazos podem ser de até 60 meses, sendo que ambos oferecem três meses de carência e, no caso do CDC, há também opção de seis meses. No contexto atual da economia, com o aumento da Selic visando conter a inflação – tendência que deve continuar nos próximos meses – ambos os produtos têm opções que atendem perfeitamente ao propósito dos autônomos que querem financiar caminhões. Uma delas é o BNDES Finame TFB (Taxa Fixa BNDES), que tem uma das taxas mais atrativas do mercado, além de ser pré-fixada, ou seja, imune às variações dos índices econômicos.
Outra boa opção é o CDC Decrescente, que também opera com taxas pré-fixadas, oferece parcelas que reduzem de valor a cada mês e tem contratação descomplicada. Já por meio do Consórcio Mercedes-Benz, o caminhoneiro autônomo pode comprar seu caminhão em até 120 meses, com parcelas que cabem no seu bolso, com as menores taxas de administração do mercado e sem juros. O Consórcio da nossa marca pode ser utilizado para veículos zero km e usados com até 7 anos. Além disso, em alguns grupos, o consorciado pode pagar a parcela reduzida até a contemplação e parcelar o seu lance em 4 vezes. E ele pode utilizar o seu caminhão usado como lance, ou seja, ele dá o lance, faz o parcelamento e tem tempo de vender o seu caminhão usado com tranquilidade no mercado.
Dessa forma, reafirmamos nosso compromisso de estar ao lado dos autônomos, como também das empresas de transporte, em todos os momentos, seja na aquisição do seu primeiro Mercedes-Benz, como na ampliação ou na renovação de frota. Nosso portfólio de peças e serviços amplia o suporte aos nossos clientes, com soluções para cada perfil de cliente, o que inclui quatro planos de manutenção, três linhas de peças (genuínas, remanufaturadas da linha Renov e Alliance) e sistema de gestão de frota Fleetboard.
Depois que a Mercedes lançou seu ônibus elétrico é natural o mercado supor que não vai demorar para a chegada dos caminhões elétricos da marca. A dúvida é: a eletromobilidade (ainda muito cara) é realmente o caminho mais eficiente e sensato para uma logística mais amigável ao meio ambiente, quando pensamos particularmente no Brasil?
Como parte da Daimler, a Mercedes-Benz do Brasil tem acesso a todas as tecnologias que o Grupo desenvolve para diversos países. Na Europa, EUA e Japão, há veículos elétricos já disponíveis e a célula de combustível em desenvolvimento avançado. No momento, mesmo para os países desenvolvidos, estas tecnologias ainda necessitam de fortes subsídios governamentais para serem competitivas. No futuro isso deve mudar. Aqui no Brasil, estamos juntos com os transportadores avaliando todas as possibilidades para uma solução que seja amigável ao meio ambiente, mas que também faça sentido economicamente. Sem dúvida, a melhor solução seria um programa perene de renovação de frota.
Sobre outras tecnologias, acreditamos na vocação do Brasil para biocombustíveis, ou seja, este é um caminho natural no nosso país, com soluções como o biodiesel e o HVO. No entanto, isso depende de uma coordenação do governo federal para apontar os caminhos, para que tenhamos uma solução clara para o País.
Em 2022 mais uma vez o Brasil terá um PIB pífio, enquanto que, no mundo, a projeção é uma média de crescimento acima de 4,5%. Na sua opinião, quais fatores veem impedindo um crescimento econômico mais sustentável do País?
O Brasil é um país continental e muito diverso. Mesmo que o número agregado do PIB seja baixo, há setores que se destacam e continuam a crescer, como o agronegócio e toda a cadeia de transportes. Acho que devemos olhar para estes exemplos e replicar o que deu certo.
Neste ano o mercado de caminhões cresceu surpreendentemente. Como vocês projetam as vendas de caminhões e ônibus do ano que vem considerando esse PIB perto de zero?
Os principais drivers do crescimento do mercado este ano foram o transporte de grãos, e-commerce, mineração e construção civil. Entendemos que para o próximo ano estes segmentos continuarão a demandar caminhões, num ritmo talvez menor. Mas não podemos esquecer que em 2023 teremos uma nova legislação ambiental, o que deve antecipar algumas compras para 2022 e aquecer mais o mercado. Para ônibus, esperamos que, com o avanço da vacinação, haja um aumento nas demandas por mobilidade urbana e viagens rodoviárias, movimentando mais o mercado. É importante lembrar que 2022 será um ano de eleição, o que reduz um pouco as compras de ônibus. Por outro lado, este ano foi lançada uma nova licitação do programa Caminho da Escola, o que é muito relevante para o segmento.
Como você explica o Brasil atual para os chefões da Mercedes na Alemanha? E como o Brasil é visto atualmente pela cúpula da Mercedes na Alemanha?
Como todos os países, o Brasil passa por um momento de retomada. Ainda sob efeitos da pandemia, mas com vacinação avançando, estamos ansiosos pela volta à normalidade, tanto no que se refere à saúde e à convivência social, quanto à economia e o mercado de veículos comerciais. E isso afeta tanto a Daimler na Alemanha, como a Mercedes-Benz aqui no Brasil. Ou seja, vivenciamos os mesmos desafios e estamos trabalhando para superá-los, a fim de atender às demandas dos nossos clientes. Em 2021, o Brasil vem se posicionando como o segundo maior mercado de caminhões para a Mercedes-Benz Trucks, atrás apenas da Alemanha. Isso demonstra a importância da operação brasileira, que chegou a 65 anos no nosso País, para o Grupo Daimler. Com a separação do Grupo entre a divisão de automóveis e a divisão de veículos comerciais, a importância do Brasil para a nova companhia que irá surgir será ainda maior. E estamos prontos para este novo desafio.
Virou já lugar-comum fabricantes dizerem que não vendem mais caminhões e sim “soluções de transporte”. Podemos supor que, em um futuro bem próximo, essas “soluções” envolvam, também, locação de caminhões com motoristas e tudo mais? Fale mais sobre o que seriam essas “soluções de transporte” para os próximos anos.
Assim como em todas as áreas da economia e da indústria, o desenvolvimento das tecnologias de informação também tem causado impactos no setor de caminhões. Estamos atentos a estas transformações, atuando em conjunto com startups para buscar novas soluções e inovações que façam sentido para nossos clientes, reduzindo seus custos operacionais por meio da tecnologia, inteligência e informação. Alguns exemplos são os apps que lançamos, juntamente com o Novo Actros, para facilitar o dia a dia dos motoristas, como o Liga na Estrada e o Jornada da Estrada, além do Habbl, um aplicativo de gestão logística para embarcadores e transportadores. No futuro, continuaremos as parcerias com startups e avaliaremos juntamente com nossos clientes novos modelos de negócio que façam sentido para todos. Este é o verdadeiro desenvolvimento do ecossistema do transporte.
Considerando sua experiência como gestor, se você pudesse dar algumas dicas para o próximo presidente do Brasil que tomará posse em 2023, quais seriam elas?
Que o Brasil efetivamente faça as reformas em pauta, com a Tributária, por exemplo. Que os programas econômicos sejam consistentes visando a estabilidade do mercado, o que é fundamental para o planejamento das empresas e, principalmente, para os investimentos no país. Confiança no Brasil é a base para atrair investidores, porque potencial inegavelmente temos de sobra por aqui. Esperamos ansiosamente que o País consiga controlar a inflação, o câmbio e os juros, mantendo-os sob controle, medida essencial para a previsibilidade desejada.
Na sua opinião, qual foi sua maior realização até hoje em sua carreira profissional?
Minha maior realização na carreira é contar com a confiança das pessoas com quem trabalho e com quem já trabalhei, bem como dos clientes e amigos que fiz durante estes anos de estrada. É através da confiança que se muda uma cultura empresarial. No meu ponto de vista, isto é a maior conquista e não é fácil de obter, isto significa que meus valores e princípios estão alinhados com as pessoas. Vou aproveitar e também citar que acompanhei diversos ritos de passagens de gerações em transportadoras e que fiquei feliz em poder contribuir em alguns processos e seguir contando com a confiança das novas gerações.
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