No último 20 de abril a rede Scania foi surpreendida por um comunicado da fábrica informando que, para este ano, toda a produção de caminhões da marca já está comprometida. Ou seja, vendida. Na nota às revendas, a fabricante anuncia que está trabalhando com programação para o ano que vem. Quem já firmou pedido vai conseguir receber o caminhão zero, mas vai esperar, de acordo com estimativa de diversas concessionárias Scania consultadas, em média, 120 dias.
O mercado de caminhões vem passando por um inesperado “boom” neste ano no Brasil. No primeiro trimestre de 2021 foram comercializados 26,1 mil veículos com expansão de 29,5% em relação ao mesmo período do ano passado quando 20,1 mil caminhões foram emplacados. Esse já é o melhor trimestre dos últimos sete anos. Conservadora, a Anfavea estima crescimento de 15% neste ano, mas analistas projetam o dobro disso.
Com o e-commerce sendo a tábua salvadora de quase todo tipo de comércio, as entregas urbanas dispararam desde o início da pandemia. Pequenos e grandes comércios seguem vendendo praticamente de tudo pela internet. E a cada clique efetivando uma compra, a logística entra em ação. Esse cenário, certamente imprevisto pelas fabricantes, vem puxando substancialmente as vendas de caminhões leves.
Já o cenário previsto são as boas novas que vem do campo. A desvalorização do Real frente ao dólar, se assombra quem importa, faz a festa de quem exporta. Os agricultores estão festejando safras recordes e vendas em escalas nunca antes vistas para o exterior. A rentabilidade na lavoura está em alta pois eles compram em moeda local e vendem em dólar. O mundo precisa comer e há pressa para o escoamento da safra aos portos. Por isso é alta a pressão por mais caminhões, sejam novos ou seminovos.
Atender os pedidos dos puxadores de safra estava na previsão das montadoras, mas o grande problema é que a pandemia prejudicou a capacidade da indústria de responder prontamente a este extraordinário aumento da demanda em todos os segmentos de transporte. Para agravar o quadro, montadoras, sistemistas e fabricantes de autopeças tiveram que fazer interrupções nas linhas de montagem e, mesmo valendo-se de todos protocolos de segurança, obrigatoriamente reduziram a capacidade produtiva.
Mesmo assim a produção de caminhões bateu recorde neste primeiro trimestre. Foram produzidos 33,1 mil veículos com um salto de 33,9% comparado aos três primeiros meses do ano passado, quando foram produzidos 24,7 mil unidades. É, também, o maior trimestre em produção de caminhões desde a crise que derrubou o setor entre 2014 e 2017.
Mas em vez de festejar, as montadoras estão com os nervos à flor da pele. Faltam diversos insumos, há pressão nos custos de componentes e, como é de conhecimento de todos, há a crise global de falta de semicondutores. Esses chips são largamente usados exatamente nos caminhões pesados tecnologicamente mais sofisticados. Exatamente os mais procurados para escoar a safra de grãos.
“Os veículos mais avançados do mercado, com tecnologia de ponta e eletrônica embarcada, são os mais afetados pela falta de semicondutores e chips. Estamos monitorando essa situação, esperando ansiosamente pela volta à normalidade do mercado global, porque essa questão não é só local. Os desafios são de todos”, comenta Roberto Leoncini, vice-presidente de vendas e marketing caminhões da Mercedes-Benz do Brasil.
Mesmo afetada com problemas de falta de componentes, a Mercedes está se mexendo para tentar responder às pressões da demanda. Para atender o volume de produção atualmente previsto para 2021 e compensar as paradas programadas de produção que ocorreram este ano devido à pandemia do coronavírus, a montadora irá implementar jornadas adicionais de trabalho aos sábados entre abril e julho para a produção de caminhões e agregados (eixos, câmbios e motores) em sua fábrica de veículos comerciais em São Bernardo do Campo, SP.
Consultados, revendedores da marca, que pediram para não serem identificados, dizem que a espera por caminhões novos pesados pode ser superior a 120 dias. A situação é a mesma na Volkswagen Caminhões e Ônibus. Ricardo Alouche, vice-presidente de vendas, marketing e serviços, disse que a montadora já está trabalhando “com entregas previstas até janeiro, com antecipação conforme disponibilidade”.
De acordo com Alouche, a VWCO tem enfrentado a falta de alguns componentes, mas não houve parada na linha. Entre os itens em falta estão eletrônicos necessários para componentes comprados de fornecedores, tais como chicotes elétricos, cluster e tacógrafo. O executivo diz que também faltam pneus, fundidos, forjados, aços planos e especiais para peças e longarinas, alumínio. “A VWCO vem trabalhando todos os dias com horas extras no primeiro e segundo turnos. Desde janeiro, produzimos também aos domingos para retrabalhar carros com componentes faltantes no pátio, e liberá-los para vendas”.
O segmento de caminhões pesados, o mais afetado pela falta de insumos e pela alta demanda, representa 50,2% das vendas totais de caminhões no Brasil. A Volvo, líder deste segmento, com 20% das vendas, afirmou que vem conseguindo atender a alta demanda com aumento de produção. De acordo com Alcides Cavalcanti, diretor executivo de caminhões da Volvo, os esforços da marca em manter acelerada a produção a despeito da pandemia tem feito com que os clientes aguardem, em média, entre 60 e 90 dias, prazo que o executivo considera normal. Mas admite que alguns modelos, neste momento, a espera chega a 120 dias.
Cavalcanti afirmou que a falta de componentes é um fator de grande preocupação na Volvo, especialmente os semicondutores (item largamente utilizado nos novos caminhões da marca que trabalham com muita inteligência embarcada). “Contudo, até o momento, a programação de entregas à rede e clientes segue conforme planejado no início de 2021. Esse cenário deve permanecer também no segundo semestre, sem lacunas”.