A despedida do mestre Pasquotto

Sempre sensato, gentil, didático e solícito, Luis Pasquotto, vice-presidente da Cummins Inc. e presidente da Cummins Brasil, depois de 29 anos de serviço dedicado à empresa, resolveu se aposentar. Seu último dia como executivo da fabricante de motores foi de despedidas na sexta-feira, 30 de abril. Dois dias antes, Pasquotto nos honrou com a última entrevista dada à imprensa antes de pendurar as chuteiras. Foi um bate-papo descontraído exclusivamente com Transpodata.

Pasquotto ingressou na Cummins em 1992 no time de Engenharia no Brasil e, rapidamente avançou em sua incrível carreira de liderança, estabelecendo parcerias fortes e confiáveis com clientes finais locais & OEM’s e constante busca por novos negócios na região.

Engenheiro mecânico aeronáutico pelo ITA, turma de 1981, com especialização em Finanças pela FGV, Pós-Graduação em Administração de Negócios pelo INPG (1993) e MBA em Marketing Empreendedor pela ESPM-ITA (1999), o executivo se destacou por sua capacidade de navegar em recessões, ao trazer clareza em situações difíceis, desenvolvendo talentos e mantendo uma comunicação sólida.

Em 2011, foi nomeado vice-Presidente da Cummins Inc. e no ano seguinte, líder da América do Sul, ajudando a região a implantar novos processos, funções críticas e negócios como as funções HHP (negócio de High HorsePower). Pasquotto se tornou membro do conselho de administração da Komatsu Cummins Chile (KKC), joint venture atuante fortemente nos segmentos de mineração, geração de energia, automotivo e fora de estrada, no mesmo ano.

Em 2016, Pasquotto integrou o então recém formado ABO América Latina como o Líder de EBU (Unidade de Negócio de Motores) na região e presidente da Cummins Brasil. Sob sua responsabilidade, o time regional manteve um grande engajamento em todos os níveis, melhorando a rentabilidade, fortalecendo o posicionamento junto aos clientes e melhorando as operações e os negócios.

Pasquotto também tem sido um grande promotor da cultura Cummins; dedicou-se a quebrar barreiras e criar ambientes de trabalho em que as pessoas pudessem contribuir com todo o seu potencial e serem autênticas, sendo um líder admirado por seus colaboradores, distribuidores independentes e por toda a comunidade de negócios.

Fora da Cummins, Pasquotto construiu forte credibilidade e reputação. Ele foi vice-presidente da AEA, membro do Conselho da Câmara Americana do Comércio (Amcham) por oito anos e vice-presidente do Board por mais de três anos. Em 2018, recebeu o prêmio “Spirit of Amcham”, como conselheiro de elevada contribuição. Ele foi também membro do Conselho Executivo do Sindipeças; liderando o Comitê de Tecnologia entre 2017 e 2019 e interagindo com o governo em discussões do Rota 2030, atual Política Automotiva no Brasil.

Nesta entrevista despedida, Pasquotto disse que vai aproveitar a aposentadoria dedicando mais tempo para aproveitar a família e colaborar na governança de ONG´s, preferencialmente de educação, além de buscar colaborar com governança de empresas.

TRANSPODATA – Como o senhor enxerga o futuro dos motores do Ciclo Diesel frente à essa tendência global de eletrificação?

Pasquotto – Eles vão continuar predominando, tendo um papel importante. Inclusive importante até para redução dos gases de estufa por bastante tempo. Isso não significa que gente é reacionário, etc. Tem uma boa explicação. Mas antes da explicação é bom deixar claro que nós, na Cummins, entendemos que o mundo precisa descarbonizar a economia, o transporte. Isso é uma necessidade. As empresas responsáveis estão abraçando essa causa, elas sabem que precisam sair dos combustíveis que geram carbono. E aqui eu faço um parênteses, não só combustível que gera carbono no seu uso mas também sua produção. Precisamos entender que não é só mover para a eletrificação, mas também pensar em como essa eletricidade é gerada. Mas de qualquer forma, nós estamos abraçando a causa, nós entendemos na Cummins e acho que as boas indústrias entendem, que a mudança climática é a maior ameaça para a prosperidade do mundo. Isso está claro, e nós estamos desenvolvendo na Cummins, várias tecnologias que vão nessa direção, seja eletricidade como bateria ou com hidrogênio.

TRANSPODATA – Mas essa tecnologia é viável para o Brasil?

Pasquotto – A viabilidade vai acontecer gradativamente, não é como o interruptor de luz que se liga ou desliga em um instante. As coisas vão acontecer de uma forma gradativa, e o motor a combustão, diesel ou gasolina, ainda vai ter um papel preponderante, importante, nas próximas décadas. E essa transição gradativa, ela vai ter a velocidade diferente pois no Brasil não há um mercado só. Há muitos nichos. Temos transporte de longa distância, outros são de curta, alguns são de rotas fixas, outros são mais leves, outros mais pesados. Então dependendo do nicho que nós estamos falando, a transição para a eletrificação vai ser mais rápida. Em outras aplicações, como longas distâncias, o diesel vai permanecer. Além do nicho, nós temos que pensar na questão geográfica, as regiões do mundo, as regiões tem diferentes situações de disponibilidade de uma fonte de energia, ou de outra. Em alguns locais é abundante a questão do petróleo, do diesel, outra é abundante a energia solar. Por exemplo, nós temos a abundância de energias renováveis aqui no Brasil. Então, tudo isso vai ditar que a velocidade dessa transformação vai ter destino, dependendo do nicho e da região, inclusive regiões que estão em diferentes estágios econômicos. Nós somos um país em desenvolvimento, não podemos nos comparar com países desenvolvidos, que já resolveram outros problemas básicos.

Então, a grande questão é quanto ao aspecto econômico dessas novas tecnologias. Mas é importante também considerar aspectos sociais pois sustentabilidade verdadeira tem que considerar questões sociais com ambientais. Por isso creio que as coisas vão acontecendo gradativamente. Enquanto isso o motor diesel ou o motor a combustão vão seguir predominando. Nosso papel, como responsáveis, temos que olhar para o futuro, olhar para o desenvolvimento dessas novas tecnologias. E enquanto isso não está 100% pronto, temos que aperfeiçoar o que nós temos. Nos últimos 25 anos, conseguimos com muita inovação e tecnologia, reduzir as emissões, de 90 a 98%, dependendo do poluente, e nós vamos continuar fazendo isso. A nossa obrigação é seguir oferecendo produtos e motores eficientes, cada vez mais limpos, como menos emissões ainda, e a grande motivação é torna-los mais eficientes para queimar menos combustíveis e gerar menos carbono.

TRANSPODATA – Tecnologicamente falando, há ainda espaço para se aperfeiçoar os motores à combustão?

Pasquotto – Sim, como Engenheiro, eu estou convicto, e como o executivo da Cummins, eu acompanho todo o investimento que a empresa faz em novas tecnologias em motores, estou muito convicto que tem muito espaço ainda para melhoria. Como disse antes se olharmos para a promoção das legislações nos últimos 25 anos, tivemos um progresso fantástico e se me permite um parentes aqui, eu acho que o motor diesel, o motor a combustão, não é isso que às vezes se insinua, que é puro poluente, é sujo.

TRANSPODATA – Há preconceito contra o motor diesel?

Pasquotto – Sim. Por isso é importante destacar que o motor diesel hoje, não é isso que a gente vê às vezes em muitos artigos, muitas reportagens, emitindo fumaça. Reduzimos 98% da emissão de certos poluentes nos últimos 25 anos e temos exemplos práticos disso. Se você fica ao lado de um veículo velho, desses que estão com 20 anos, você sente cheiro, você sente a poluição, agora fica ao lado de um veículo que acabou de sair da fábrica e vai notar que mesmo em alta rotação você não vê fumaça nem sente aquele cheiro forte dos poluentes. Você não sente nada, porque eles estão com uma emissão baixíssima, graças ao investimento maciço de tecnologia. E existe ainda aperfeiçoamentos a serem feitos nos motores, para torna-los mais eficientes. Tem duas coisas que são parecidas, mas não são iguais, uma é torna-los mais limpos na emissão desses contaminantes que eu falei, material particulado, é óxido de nitrogênio que fazem mal à saúde, isso reduziu bastante tem um pouco mais a reduzir, o outro é reduzir a emissão de carbono que não chega a ser um poluente, mas na quantidade excessiva ele causa esses problemas de aquecimento, e para isso nós temos que melhorar o consumo, melhorar a eficiência dos motores e aí não é só o motor. Para melhorar a eficiência do motor, para que ele queime menos combustível e emita menos carbono, a gente tem que pensar muito na integração do motor com o veículo, não é só focar na câmera de combustão.

TRANSPODATA – A integração com outros componentes ajuda a reduzir emissões.

Pasquotto – Exatamente. Hoje existe espaço na câmera de combustão para se fazer melhorias, mas tem grande espaço nessa integração de como é que o motor se encaixa, ele se integra com o outros componentes como a transmissão, com eixo e a própria condução do veículo. Existem técnicas que usam a eletrônica, os controles eletrônicos, para fazer com que o comportamento do veículo se adapte a certas condições e gerencie o motor para que ele, naquele instante, queime menos combustível. Exemplo, simples, se você está lá em um ônibus que o motorista inadvertidamente acelera quando não precisa, com inteligência de sensores o motor sabe que “Opa por quê que eu estou sendo acelerado, se o veículo está parado?”. Tem inteligência para detectar tudo isso, inclusive mapear a estrada em que o veículo está rodando. Há, enfim, muita tecnologia que pode reduzir emissões e melhorar a eficiência da queima de combustível.

TRANSPODATA – E os combustíveis alternativos?

Pasquotto – Pois é, quando eu falo de motor não é só diesel, a gente vai cada vez mais usar combustíveis alternativos que queimam mas que geram menos carbono, como o gás, seja o gás natural, seja o gás do biogás, tem a opção do biodiesel, então existe
esse espaço sim para muitas melhorias e isso vai ser importante. O motor a combustão tem papel importante na redução dos gases de estufa, e enquanto outras tecnologias não estão maduras a gente tem que continuar trabalhando por melhorias nos motores a combustão.

TRANSPODATA – Para a realidade nacional, não seria mais rentável se investir na matriz energética diesel menos poluente do que se pensar em tecnologia elétrica?

Pasquotto – Na primeira reflexão quando a gente fala de Brasil, temos que pensar nas dimensões continentais do País. Aqui temos diferentes realidades e essas realidades variam às vezes dentro do mesmo estado, não é só de região Sul para região Norte, dentro do mesmo estado você tem realidades diferentes, entre a capital e o interior, por exemplo. Por isso é difícil falar o que serve para o Brasil. Mas a longo prazo a questão eletrificação ela vai se encaixar aqui no Brasil. Só que ainda será preciso muitas discussões e a questão infraestrutura é outro ponto a ser tratado com cuidado. Os governos ainda estão penando para resolverem questões de saúde, de educação, saneamento básico e de segurança. E ainda temos que respeitar o poder aquisitivo da população. Por isso migrar agora por uma tecnologia totalmente eletrificada, olhando que isso vai ser 100% benéfico ao meio ambiente, talvez não seja a forma mais sustentável de conduzir o país agora.

TRANSPODATA – O Brasil tem boas soluções em combustíveis alternativos.

Pasquotto – Sim, temos o etanol consolidado. Tudo isso pode ser considerado na introdução gradativa dessas tecnologias que eu falei, então eu acho que nós indústria e legisladores, temos que também estar atentos para essas questões. A maioria dos legisladores está cientes dos impactos e olha com esse olhar não só de uma dimensão da sustentabilidade mas do composto meio ambiente, econômico e social. A eletromobilidade será gradual, possivelmente começando por centros urbanos como São Paulo.

TRANSPODATA – A indústria está preparada para as regras mais severas do Proconvo 8?

Pasquotto – Eu posso falar pela Cummins. A Cummins sim está bem avançada nisso. Nós começamos a desenvolver Euro 6 há bastante tempo, pelo fato de participarmos de uma matriz, de uma corporação que é global que está presente em vários países. Temos o produto na Europa e na China. Não posso dizer que estamos 100% prontos, porque o trabalho é feito até um certo momento no motor e depois, como eu falei na outra pergunta, existe a parte final que é um trabalho em conjunto com as montadoras, a gente precisa caprichar na integração, não é só ir lá e colocar o motor como se fosse um pneu, e nem pneu é tão simples assim, mas você não vai lá e faz “clock”. Há toda essa integração mecânica, eletrônica e todos os testes de validação e depois que a gente considera que o motor está bom, está pronto, na sala de teste nos encontramos várias oportunidades de melhoria do veículo, vários problemas a se resolver. Portanto, estamos adiantados, estaremos prontos na data que foi colocada, 2023.

TRANSPODATA – E é possível que motores a diesel atendam legislações de emissões ainda mais severas que essa?

Pasquotto – Sim, está em linha com o que eu falei anteriormente, o motor a combustão, hoje eu considero que ele é motor super limpo na fase de Euro 6, mas tem ainda potencial de chegar na fase Euro 7, a Europa vai puxar isso.

TRANSPODATA – Então caminhão elétrico será uma realidade ainda distante?

Pasquotto – Nós vamos ter desafios ainda, principalmente em veículos pesados, quando você fala em veículo leve, automóvel é uma coisa, quando você fala em veículos pesados e aqui no Brasil mesmo, tem esses desafios técnicos, tem questões de autonomia, a gente sabe que as baterias não conseguem armazenar energia suficiente para um veículo pesado se deslocar a larga distancia. Tem a questão da confiabilidade que precisa melhorar também. Não estou dizendo que está ruim, mais a sociedade exige produtos 100% confiáveis.

TRANSPODATA – O preço dos elétricos também não ajuda…

Pasquotto – Tem a questão do preço, tem a questão da infraestrutura, será que o nosso pais vai estar pronto com todos esses gargalos que falei? Essa competição de investimento que precisa ser feito em educação, saneamento e etc, e também investir na infraestrutura em um país desse tamanho. Também tem a questão da capacidade de produção dessas tecnologias elétricas e sustentável. Tudo isso compete e faz pensar que sim o motor Euro 7 diesel ainda vai fazer sentido e tanto é que a Europa fala disso e já tem gente desenvolvendo, inclusive a Cummins.

TRANSPODATA – A despeito da eletrificação que se mostra uma tendência, especialmente para os países mais ricos, de primeiro mundo, nós estamos colocando ou vislumbrando um cenário de motores a explosão para mais 25/30 anos ainda?

Pasquotto – Dependendo do nicho do segmento, sim, e aqui eu não falo apenas de caminhão, ônibus, falo também de máquinas fora de estrada, aonde existe menos concentração de poluentes. Uma coisa é falar do meio ambiente ali no centro de São Paulo, onde tem uma concentração imensa de poluentes, outra coisa é pensar em uma máquina que está lá no meio do campo. Para esse tipo de aplicação é ainda muito viável, a longo prazo, motor ciclo diesel usando biodiesel sim, há opção para o gás, que seja motor a gás, ele vai fazer sentindo ainda por algumas décadas. Mas não quero passar uma imagem reacionária…

TRANSPODATA – Me parece bem sensato…

Pasquotto – Nós estamos preocupados com sustentabilidade, com meio ambiente, mas também com a economia, com o progresso da sociedade, de uma forma responsável.

TRANSPODATA – É importante esclarecer que o caminho para a sustentabilidade não pode ser único, só focado na eletrificação. Há outras opções, não?

Pasquotto – Exatamente, tem outras alternativas e eu acho que o que a sociedade quer e busca é o meio ambiente sim, mas ela também quer crescimento econômico, também quer melhoria da condição humana, o desenvolvimento humano, certo? Então não adianta você focar só em uma dimensão. É preciso deixar de lado certos diálogos radicais e estabelecer mais bom senso. As coisas têm que evoluir juntas. É óbvio que o meio ambiente tem que ser cada vez mais preservado e nós estamos preocupados com isso. Mas ao mesmo tempo é preciso evoluir nas causas sociais e macroeconômicas. Estamos focados na Cummins em levar energia limpa mas também eficiente, confiável e que seja uma solução viável economicamente para nossos clientes. O papel não é simplista. É preciso viabilizar essas coisas sem descuidar das questões sociais.

TRANSPODATA – Vamos falar um pouco de gestão. O senhor ingressou na Cummins em 1992 e passou por muitas crises no Brasil. Como o senhor avalia sua trajetória?

Pasquotto – Eu acho que você deve imaginar que, quase 30 anos em uma empresa você passa por todos os cenários, principalmente no Brasil. Vamos falar aqui do nosso Brasil e vou pedir licença para usar frase chavão, “o Brasil não é para amadores”. É um país com muitas complexidades. Eu costumo dizer que, além disso, a gente fez um exercício lá na Cummins e chegamos à conclusão que o que nos diferencia também como grupo executivo, como grupo de líderes aqui, é a nossa resistência à volatilidade, à complexidade, à ambiguidade e a incerteza que sempre acontece no País. O mundo inteiro fala em volatilidade, o mundo inteiro fala em incerteza, complexidade e ambiguidade, mas eu acho que no Brasil essas coisas são mais acentuadas. As coisas são mais voláteis, são mais ambíguas, as nossas legislações são difíceis de interpretar, a gente às vezes, com toda a boa-fé acaba errando, porque a legislação é complicada e essa questão tributária principalmente. Então, passamos por todos os cenários e nesse momento eu estou otimista com o Brasil e eu vou explicar porquê. Mas antes disso, quando eu comecei na Cummins lá em 1992, a Cummins ainda era um grupo que estava se estabelecendo no Brasil, ainda estava com um pouco menos de 20 anos e esse ano vamos fazer 50 anos da Cummins, é um ano especial. A empresa estava desenvolvendo os seus negócios e vivia de exportação, e aí ela desenvolveu algum mercado aqui no Brasil com clientes como Ford, Volkswagen na época, fora de estrada e aí tivemos anos difíceis ali no começo da década de 2000. Depois Brasil passou por um período que eu chamo de Anos de Ouro, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011. Quem não lembra do ano de 2011, quando o mercado produziu 227 mil caminhões ou algo nessa ordem, foram anos dourados. O Brasil chamou a atenção do mundo e etc, mas depois aquilo se mostrou como algo que não era sustentável. Toda aquela pujança de mercado acabou se mostrando não sustentável e aí o país acabou entrando em recessão. Na Cummins nós tivemos um fato também que foi quando, um cliente importante veio ao Brasil, a MAN comprou a Volkswagen, e aí parte dos nossos motores acabaram sendo absorvidos pela MAN, que é um parceiro de prestígio e respeito muito. E ali já deu um impacto e depois nós tivemos a recessão brasileira, que vocês acompanharam, de praticamente três anos, onde o país perdeu mais de 10% do PIB. O mercado desabou de 227 mil caminhões para 60 mil. Depois teve a greve dos caminhoneiros, que nós começamos a recuperar, começamos a melhorar e aí teve a saída da Ford, esse cliente. Mais uma vez começamos a melhorar e teve o COVID. Mas olhando para frente, eu acho que o nosso pior momento foi na recessão.

TRANSPODATA – O que foi mais difícil? A recessão ou a crise sanitária atual?

Pasquotto – Os anos de 2015, 2016 e 2017, aonde nós saímos de 110 mil motores, caímos a um quarto disso. A desvalorização da moeda também reduziu o nosso tamanho de mercado. Para quem é investidor lá fora e pensa em dólar, também caiu bem. Sem dúvida esse foi o pior momento do País. Mas a Cummins nunca titubeou. Sempre contei com os maiores incentivos das lideranças mundiais da Cummins. Eles acreditam muito no Brasil. Por isso seguimos investindo e confiantes. A gente trabalhou em parceria e chegamos e estamos bem, temos um bom portfólio de clientes, sanamos e melhoramos muito a eficiência da fábrica, da operação, formamos um time muito forte de pessoas, que eu me orgulho disso na Cummins e não é mérito meu, é mérito de toda a liderança. E olhando para frente a pandemia vai passar, mais cedo ou mais tarde, eu acho que a gente pode falar das cabeçadas das vacinas e etc, mas ela vai passar. Se não for esse ano, certamente será 2022. E olhando o futuro eu estou otimista, acho que o pior momento passou lá atrás. Eu sempre falo que o Brasil é para ser desbravado ainda, não é para qualquer um, é para quem investe, é para quem procura entender o País, é para quem procura se adaptar às condições do Brasil. Há muitos tesouros a ser descoberto por aqui.

TRANSPODATA – O senhor passou esse otimismo à matriz?

Pasquotto – Eu sempre digo a eles: que país tem essa população que nós temos aqui, 210 milhões de habitantes? Só tem quatro ou cinco países no mundo com essa característica. E há muitas vantagens nisso. Além disso, temos um território gigante, clima fabuloso que permite ter duas safras de agricultura, temos gente empreendedora, temos infraestrutura para desenvolver e eu acho que o que vem aí pela frente vai ser muito bom. Só precisamos de um pouco mais de empatia na sociedade para que isso seja mais rápido.

TRANSPODATA – Aonde vocês enxergam e como vocês estão trabalhando para que vocês tenham uma presença forte em veículos comercias, nessa década aqui no Brasil?

Pasquotto – Nós estamos bem otimistas com isso. Durante a crise, nós fortalecemos a nossa parceria com os clientes atuais. Enfrentamos dificuldades mas temos uma matriz que nos apoia incondicionalmente. Uma matriz que está bem capitalizada e tem muita tecnologia.

A nossa estratégia é que a gente se beneficie desse arsenal de tecnologias que a Cummins tem. A Cummins é uma líder de tecnologia, pode não ser a única, existem outras boas empresas, mas nós somos certamente uma das maiores líderes de tecnologia e em vários níveis, vários segmentos desde motores como estamos falando, como hidrogênio e etc. Nossa estratégia aqui é entender bem essas tecnologias que a Cummins tem de vanguarda, traduzir bem, comunicar bem aos clientes e aí, implementar bem aqui no Brasil. Isso passa por motores a Diesel. Mas também temos ofertado ao mercado motores a gás e nós temos motores a gás que chamamos de Ultra-limpos, em inglês de Near Zero. Eles são muitas vezes mais limpos que os motores que operam hoje na Califórnia. Nossa estratégia é manter as pessoas, manter talentos motivados dentro da empresa e isso requer uma gestão de inclusão das pessoas, onde todos estejam e se sintam motivados ao dar o máximo de si, que entendam essas tecnologias da Cummins e levem aos clientes. Eu acho que nós temos uma boa imagem aqui e temos pelo menos três clientes que eu não posso comentar, que já estão conosco e vão entrar na fase Euro 6 também. Fora isso nós temos a parte fora de estrada, também temos feito parcerias, enfim, eu acho que nós estamos muito bem com tecnologia de ponta, com uma empresa mais eficiente e principalmente, tem um corpo de pessoas na Cummins que eu considero que são altamente qualificadas. Não sei se eu te respondi.

TRANSPODATA – Não, foi uma resposta longa, eu esperava que você fosse falar alguma marca, algum modelo, alguma coisa, mas você driblou isso sabiamente.

Pasquotto – Desculpa! Tem essas questões de confidencialidade…

TRANSPODATA – Mas eu vou mencionar uma marca, que a gente está observando que eles estão bem ativos, importando e estão com bastante ímpeto para produzir no Brasil. Estou falando da Foton.

TRANSPODATA – Os caminhões Foton contam com trem de força confiável composto por motor Cummins e transmissão ZF, como é que o senhor enxerga a presença da Foton no Brasil?

Pasquotto – Com bons olhos. É um cliente que se você pensar bem, a Cummins tem uma parceria mundial com a Foton.

A Cummins e a Foton têm Joint Venture na China e desenvolveram motores em conjunto e a Foton é um cliente de prestígio e de grande importância para Cummins no mundo. Eles estão chegando ao Brasil muito bem preparados adaptando seus produtos aqui para o nosso mercado. Fizeram recentemente parceria com a rede que era da Ford. Certamente é uma marca que será muito competitiva no Brasil pois oferece produtos de alta qualidade. Agora a nossa filosofia também é que a gente trabalha com os clientes, respeitando as concorrências entre eles e a Cummins tem isso muito claro, é o pilar da nossa estratégia. Nós habilitamos os clientes a terem sucesso com produtos e serviços que são eficientes no custo, na tecnologia e aí depois também, tratamos com os outros clientes para que eles tenham uma concorrência entre eles e que nós não sejamos um fator que desbalanceie. Mas sim, Foton é um cliente bem-vindo que ajuda também nosso portfólio e nossa estratégia.

TRANSPODATA – Falta um pouco mais de 72 horas para o Pasquotto passar o bastão para o Adriano Rishi, eu queria saber seus planos a partir de maio.

Pasquotto – Primeiro eu queria, se você me permite, não só desejar felicidades ao Adriano Rishi, mas dizer para todo mundo que eu estou muito feliz com a transição que foi feita.
O Adriano trabalha comigo, já está há 25 anos na Cummins, é um superamigo, é um super parceiro e temos muitas afinidades. Ele já está em cruzeiro e com a inteligência e capacidade de gestão dele que eu conheço, ele vai melhorar tudo isso e ainda mais. Por isso desejo felicidades e sucesso para ele.

E de minha parte, meus planos pessoais, você falou bem, estou a 72 horas de fazer uma transição e é claro que isso foi planejado, é uma decisão que eu tomei há algum tempo atrás, eu estou tranquilo, mas sempre dá uma ansiedade, como qualquer mudança, talvez de perder alguns relacionamentos do dia-a-dia como esse aqui, mas eu estou muito consciente. O meu primeiro princípio nessa mudança, é levar uma vida simples, uma vida com simplicidade, mas a mente com o pensamento elevado. Eu quero ter um tempo livre, uns 30% do meu tempo livre para desfrutar os prazeres da vida e até mesmo viver as experiências de Deus, eu acredito nisso, tenho a minha espiritualidade. Acho que a vida executiva é nobre, mas toma muito tempo, eu acredito que eu me dediquei, eu fiz com todo amor, com todo carinho e agora eu vou começar uma outra missão no mundo e queria nessa outra missão, que falei, incluir de modo mais explícito a felicidade das pessoas. Como é que eu vou fazer isso então, eu acho que separando 30% do meu tempo livre, eu já estou acertado de ajudar na Governança de uma ONG que é uma escola, cujo o propósito é desenvolver lideranças transformadoras e éticas, a partir de crianças e adolescentes que tem uma baixa renda familiar. É uma escola aqui em São José dos Campos e eu pretendo dedicar tempo na Governança porque eu acho que é isso, eu gostaria de devolver para a sociedade aquilo que eu ganhei até aqui. Eu sempre estudei em colégio público, eu fiz o ITA também e não paguei para estudar e agora eu quero devolver isso à sociedade. Vou trabalhar voluntariamente no desenvolvimento de crianças e adolescentes que tenham alto potencial intelectual, e não têm renda familiar suficiente. Vou ajudar a transformar essas crianças em lideranças com princípios éticos e também, sobrando tempo quero me dedicar em oferecer consultoria, conselhos de administração. Usar o meu conhecimento que eu acho estar ligado à tecnologia, à indústria, à gestão e na medida do possível me encaixar alguns conselhos de administração para isso. Mas essencialmente quero ter uma vida simples e manter a mente elevada, acho que esse é o princípio.

TRANSPODATA – Nestes quase 30 anos de Cummins qual foi seu momento de frustração e qual foi seu momento de grande alegria?

Pasquotto – Eu acho que uma frustração, que aí não foi um momento, foi essa interrupção que o Brasil teve no seu crescimento, que vinha tendo, o Brasil ali em 2010, 2011 e 2012, o Brasil estava com uma exposição muito positiva em todo o mundo. Todos queriam investir no País. E então veio uma crise prolongada que botou muita coisa a perder. Esse período, sem dúvida, foi minha grande frustração em quase 30 anos de Cummins. Alegrias tive muitas, mas eu posso dizer assim, talvez seja agora, o reconhecimento que estou tendo e aí, não é pela questão técnica, tecnológica, não é pelo conhecido de mercado, não é pela questão do desenvolvimento dos negócios, o que mais me dá orgulho e prazer na Cummins, é ver o ambiente de trabalho que nós conseguimos fazer lá e quero deixar muito claro, não foi o Pasquotto. A Cummins é uma empresa que tem várias linhas que se ajuda muito, mas assim, ver a equipe de liderança se complementando num ambiente de trabalho hoje, que é para ver que todas as dificuldades que tivemos, todas as medidas amargas que tomamos para manter a sustentabilidade da empresa, eu vejo um ambiente muito leve, muito unido, muito consciente do que tem que fazer. Essa questão de inclusão para valer, as pessoas dando o máximo de si e muita gente me reconhecendo por isso. Eu sei que o reconhecimento não deve vir só para mim mas para toda essa equipe maravilhosa. Tenho muito orgulho desses profissionais que me apoiaram e isso me deixa de alma leve. Me sinto muito realizado. Mais do que o reconhecimento técnico, mais do que as realizações de negócios, acho que o ambiente e a gestão de trabalho, pessoas querendo dar o máximo de si, para mim é o que mais me deixa realizado, o que mais me deixou feliz.

Para finalizar, qual mensagem o senhor deixa para profissionais, amigos, clientes, fornecedores, parceiros…

Pasquotto – Minha mensagem é que a gente tem que acreditar no Brasil, certo? E aqui não é romantismo, não é eufemismo. Minha mensagem é que precisamos notar a pujança do Brasil, como eu falei antes. Nós não somos talvez o maior do mundo em nada, mas nós somos um dos maiores do mundo em muitas coisas. Uma das maiores populações, um dos maiores territórios, uma das maiores agricultoras, nós temos um clima fabuloso e nós temos muita coisa para fazer em infraestrutura, isso é um potencial grande de negócios, de desenvolvimento da sociedade e nós temos que pensar nisso.

Minha mensagem aos formadores de opinião então é que pensem de forma mais positiva. Acreditem no Brasil, que sigam investindo não só em negócios, mas também sigam investindo na sociedade. O país para conseguir ser próspero, tem que ter a prosperidade de todos, não basta ser a prosperidade do acionista, temos também que olhar para a prosperidade da comunidade, das pessoas e então da mesma forma que eu reforço: acreditem no Brasil, porque o potencial está aqui, poucos países no mundo têm esse potencial. Eu pergunto se você não estivesse no Brasil em quantos outros países você queria estar? Tirando aí países desenvolvidos, que são poucos, acreditem, o Brasil sempre será uma ótima opção. Também gostaria de dizer que a Cummins está preparada para isso, eu saio, mas saio feliz pela liderança que fica, muito bem preparada, que vai continuar oferecendo as melhores soluções aos clientes, mais eficientes, mais sustentáveis e também olhando para o desenvolvimento da comunidade, de novo, porque não existe empresa forte se não tem comunidade forte.

Precisamos demonstrar mais empatia. Mais poder de escuta, somos todos brasileiros e eu acho que nós estamos divididos demais, entre um lado e outro na política e em várias coisas, e isso não faz sentido. Eu acho que precisa ter um pouco mais de diálogo e ir buscar essas soluções de entendimento, de política, econômica e etc, para que esse potencial do Brasil aconteça de uma forma mais rápida. E quando eu falo formadores de opinião, não precisa ser só os grandes, todos nós podemos, se a gente não pode ter acesso à imprensa e etc, comece no seu prédio, no seu bairro e etc, acho que nós precisamos fazer isso. Passarmos, todos, mais otimismo.

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