Em que pese a cultura e o preconceito, as mulheres fortalecem sua presença no transporte rodoviário, como gestoras e motoristas

O universo feminino nas estradas foi tema da terceira temporada do projeto Notáveis do Transporte, uma ação do Grupo TranspoData, com o apoio das empresas Mercedes-Benz e Volkswagen Caminhões e Ônibus. A partir do mote “Notáveis Mulheres Estradeiras”, o encontro digital reuniu, no primeiro episódio, Ebru Semizer, diretora de Marketing de Caminhões & Inteligência de Mercado de Caminhões e Ônibus da Mercedes Benz, Cleusa Ximendes, motorista e instrutora na Brambila Transportes, Solange Emmendorfer, motorista da Braspress e Bárbara Calderani, sócia-diretora da Rodomaxlog. No segundo participaram Ana Jarrouge, presidente executiva do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo e Região, Adriana Paula, esposa de caminhoneiro Rivaldo e Thaís Bandeira, diretora da Kodex Express.

Exemplos de sucesso
Cleusa Ximendes e Solange Emmendorfer são exemplos de mulheres que superaram dificuldades para se transformarem em caminhoneiras reconhecidas pela qualidade e pelo profissionalismo. Ambas têm em torno de 20 anos de profissão.

Solange começou na profissão por necessidade e casualidade. Estava habilitada para categoria D, mas não tinha experiência. A Braspress, sua ainda empregadora, tinha vaga e não exigia experiência. Após testes práticos e teóricos, nos quais não esperava aprovação, foi contratada. Iniciou nas entregas urbanas com caminhões pequenos e, após, de maior porte. Na sequência, veio a oportunidade para levar um bitrem de 30 metros em rotas entre as regiões Sul e Sudeste. “Me acostumei com a atividade ao longo dos anos, sinto-me respeitada e valorizada”, definiu.
Reconhece que tem uma condição favorável para trabalhar, pois a empresa tem pontos específicos de parada, que oferecem estruturada adequada. Mas afirma saber que, em outras regiões, a situação é diferente, com relatos de situações difíceis. Sugere a criação de um sistema para receber reclamações. Para ela, assédio e preconceito dependem muito da postura do profissional.

Cleusa Ximendes sempre trabalhou com equipamentos grandes, atuando em terraplenagens. Atualmente, opera um caminhão com dolly, de 30 metros. Também é instrutora, tarefa que diz ser gratificante por passar conhecimentos a quem quer entrar na profissão. “Isto sempre foi o meu sonho, que agora estou realizando”, enfatiza a motorista, que estudou até a 7ª série. Além do aspecto prático, ensina às mulheres como devem se comportar na profissão. “Não podemos esquecer que somos mulheres, mas não precisamos exagerar na preparação. A forma como me relaciono com as pessoas e como me visto serão determinantes em como serei tratada por clientes e colegas”, assinala. Ainda assim defende maior atenção às mulheres nos postos de combustíveis, com espaços exclusivos.

Ebru Semizer, da Mercedes-Benz, coordena também o programa “A voz delas”, um movimento que visa atender às necessidades das caminhoneiras e as esposas dos caminhoneiros de todo o Brasil e conscientizar a sociedade da importância destas mulheres na estrada. Há 15 anos no setor, com passagens pela Alemanha, Turquia e, agora, no Brasil, Ebru Semizer, admite que, na Europa, em especial, é mais comum ver mulheres dirigindo caminhões e estradas em melhores condições. Acredita que, no Brasil, ainda haja preconceito em relação à capacidade das mulheres. “Mas vejo que isto está mudando. O transportador já percebe que mais importante do que o gênero é o profissional”, reforça.

 

Pouca presença no operacional

Aspectos culturais e preconceitos ainda inibem maior presença de mulheres nas atividades operacionais de transporte. Ana Jarrouge destaca que a maioria dos empregos femininos é para funções administrativas, embora muitas mulheres tenham qualificação para dirigir. Reconhece que algumas empresas têm oportunizado vagas para condução. “Era pior no passado, mas ainda há muito para avançar”, comentou.

Thaís Bandeira, também diretora do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística do Rio Grande do Sul, reforça que a atividade continua sendo predominantemente masculina, inclusive nas entidades de classe. Citou, como exemplo, a diretoria do seu sindicato, com 22 integrantes e somente duas mulheres, inclusive as primeiras nos 50 anos de história. Mas ressalta que, nos últimos quatro anos, percebe interesse maior de participação feminina. “Precisamos nos envolver mais e mostrar que somos capacitadas, seja nas entidades, seja no mercado, para setores administrativos e operacionais”, defende. A empresária não entende o comportamento como preconceito, mas cultural, que precisa de mudanças.

Estruturas precárias

Há consenso de que, nas estradas, as condições precárias para os homens são ainda piores para as mulheres. Especialmente, quanto à falta de espaços exclusivos na maioria dos postos de abastecimento. Adriana Paula, casada há 28 anos com o motorista Rivaldo Silva, com quem tem um casal de filhos, acompanhou várias viagens e sentiu as dificuldades. Destaca, principalmente, a falta de locais adequados para descanso, que ofereçam condições básicas para higiene e alimentação, além da ausência de pontos de parada em trajetos longos. Relata, também, o comportamento de empresas que não autorizam o ingresso de acompanhantes para uso das estruturas oferecidas aos motoristas. “É muita burocracia. Logicamente, que não irão liberar para qualquer pessoa, mas se for familiar, qual o problema”, indagou. A esta situação somam-se as condições precárias das estradas, que tornam a viagem ainda mais insegura, além da violência cometida por delinquentes.
Para Ana Jarrouge, esta situação pode ser resolvida a partir do diálogo e da sensibilidade das empresas e dos governos. Destaca que a Lei do Motorista determina condições específicas que devem ser cumpridas nas estradas. Mas falta fiscalização, admite.

Thaís Bandeira defende que estas questões devem ser resolvidas com as concessionárias das estradas antes da definição da concessão. Reforça que a lei original exige pontos adequados, mas não determina de quem é a responsabilidade. Disse haver informações de uma nova lei, que responsabiliza as concessionárias pelos pontos de descanso. Também é a favor de parcerias público sociais, comuns em outros países. “Toda sociedade deve olhar com mais carinho para estes profissionais. Se trabalharmos juntos, vamos melhorar este cenário”, destacou.

Ana Jarrouge afirmou ser importante melhorar os cuidados com as mulheres, pois há forte tendência de falta de motorista no futuro. “É preciso criar situações para atrair mulheres, desde a abordagem para contratação e nos treinamentos, até adoção de horários flexíveis”, alertou.

Bárbara Calderani citou que a existência de um piso evita a discrepância salarial entre homens e mulheres na atividade de transportes. No entanto, alerta que existem remunerações variáveis por produtividade e meritocracia, dentre outros requisitos, que podem gerar distorções. Orienta as motoristas a se informarem para evitar injustiças.
Também avaliou que existe assédio na atividade, mas relevado por ser um setor de predomínio masculino. Entende, porém, ser preciso mudar esta cultura com diálogo e denúncias. “Temos de praticar a solidariedade, é o primeiro passado para mudar este ambiente”, defendeu. Citou projeto em sua empresa, chamado Nossas Entregas, que tem reuniões mensais para falar sobre o mundo feminino. “A repercussão replica na empresa toda. Precisamos nos colocar no lugar da outra e defendê-la”, reforçou.

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