A série Notáveis do Transporte, realizada pelo Grupo Transpodata ao longo do ano de 2020, por meio virtual, foi encerrada com um encontro entre lideranças decanas na atividade. Com mediação do jornalista Alberto Piotto, participaram Alcides Braga, presidente da Truckvan; Luiz Carlos Mendonça de Barros, presidente do Conselho Administrativo da Foton Brasil; Roberto Mira, presidente do Grupo Mira; e Urubatan Helou, presidente da Braspress. O conteúdo a seguir traz as principais observações feitas por lideranças com dezenas de anos dedicados ao segmento de logística e transporte.

TranspoData – O ano de 2020 foi, obviamente, diferente, porque enfrentamos uma crise de saúde, humanitária e econômica, com repercussões internacionais. Vocês entendem que esta é a pior crise que o mundo ainda está enfrentando e qual a visão de futuro, quando tivermos controlado esta pandemia?

Mendonça de Barros – Quando olho para a minha vida profissional, em que tenho mais de 50 anos como economista e banqueiro, relembro de uma série de crises. Isto me dá uma certa tranquilidade de olhar para crise atual, que é totalmente diferente das anteriores, e projetar que ela provocará uma mudança de padrão e comportamento humano, inclusive nos negócios, de uma dimensão que ainda não temos muito conhecimento. A imprensa internacional tem produzido matérias com vários técnicos, mostrando como será este novo esse novo futuro. Mas, aqui no Brasil, estamos gastando energia para discutir uma crise que já passou do ponto de vista econômico, e com relação à saúde está bem encaminhada, com o início da vacinação. O exemplo é o resultado do setor de transportes, que desde setembro apresentou números positivos de crescimento. O ciclo na indústria automotiva e de vários setores já mudou. Estamos perdendo tempo nesta discussão econômica. A imprensa brasileira é dominada pelos analistas de bancos, corretoras e administradores de fundos. E este pessoal ainda reflete uma crise que não existe mais. O ano de 2021 será de crescimento, mas cresce com a mediocridade da economia brasileira. O sistema produtivo convive com um Brasil real e o financeiro pensa num Brasil que não existiu, não existe e nunca vai existir. A indústria, tirando alguns setores, já reagiu. O setor de transportes já está passando, e vai passar ainda mais, por uma série de mudanças. Temos que olhar a nova perspectiva que virá deste mundo, será um parâmetro de funcionamento diferente. Também vão acabar as longas viagens para fazer reuniões de negócios, será tudo virtual. O que vem pela frente será de grandes oportunidades. Um economista alemão defendeu a tese de que, em tempos em tempos, há uma destruição de paradigma e a criação de um novo, é o que está acontecendo agora. Temos de pensar como vamos viver neste novo paradigma.

Urubatan Helou – Temos dois vieses para analisar a situação: ou olhamos com serenidade ou de uma forma desesperadora, que pode nos levar a cometer um haraquiri. Não é uma questão de você ser otimista ou pessimista, mas de fazer avaliações de cenários e, a partir delas, se situar de como pode efetivamente sair da crise. Já passamos por uma infinidade de crises econômicas e políticas e as superamos. Mas, seguramente, a minha geração jamais passou por uma crise humanitária com a dimensão desta, que trouxe reflexos econômicos muito fortes. Mas todos eles são superáveis. O mundo todo passou por contradições, porque não se sabia como enfrentar um inimigo absolutamente invisível. Cada país tomou suas próprias medidas, cometendo erros e acertos. A despeito das mortes em alta escala, que são lamentáveis, a economia está se recuperando, virando seu próprio ciclo. Não haverá decreto com capacidade de tornar o ser humano absolutamente improdutivo e assistir a sua própria quebra. Você tem uma crise coletiva e outra individual. Esta é quase desesperadora, porque ela decorreu de uma situação pessoal. Quando é coletiva, é menos desesperadora, porque em algum momento, o conjunto de inteligência das pessoas fará com que um viés de solução acabe aparecendo. Esta crise econômica está nos levando a uma reflexão do que deve ser o amanhã, de quando chegar o nosso novo normal, de como será o nosso novo futuro. Toda esta solução está imperiosamente nas nossas mãos. Pode ter um pouco de dependência do ambiente de negócios institucionais ou também pela questão do país, que pode melhorar. Mas uma coisa é certa: a atividade de transportes não será mais a mesma. Deixará de ser considerada primária, de infraestrutura, para ser fundamental na vida humana, vai entrar na casa das pessoas. A logística ficou mais complexa, gerou nas pessoas o hábito de receber a mercadoria em casa, seja de drone, de caminhãozinho ou de caminhão. Embora já seja reconhecida diretamente pelo cidadão, ganhará novo status empresarial. Do ponto de vista de país, acho que temos também um leque de possibilidades de olhar o mundo de forma muito positiva. Está aí a vacina para superar esta etapa. O mundo ficou livre de um maluco e os Estados Unidos serão comandados de forma mais sadia. Temos todos os vieses positivos para ter uma vida saudável, mais confortável nos pós-pandemia, com uma atividade econômica mais robusta. Agora, resta também tomar medidas, como uma mudança na Constituição, para o controle dos gastos obrigatórios da União, para que o país possa voltar a crescer e não ser este gigante que atormenta a atividade produtiva.

TranspoData – Para onde precisamos olhar para pensar em soluções que irão impactar o empresariado e a população?

Mendonça de Barros – Existem duas questões que precisam de acompanhamento. Uma é de natureza externa em função da pandemia e o risco de ter um presidente do tipo de Donald Trump. As cadeias produtivas que foram construídas ao longo dos últimos 15 anos na internacionalização da economia também irão mudar. Haverá uma reestruturação do sistema produtivo mundial. Existe hoje risco potencial de ter toda esta quantidade de mercadora fluindo de um mercado para ganhar um pequeno custo de produção. Nesta reestruturação produtiva mundial o ponto final de venda será a casa do consumidor. Por causa deste risco, de muita movimentação física de mercadorias entre um mercado e outro, surgirá um novo perfil de negócios e o Brasil pode ser beneficiado, até porque tem mercado interno. Também está se construindo uma relação perigosa entre a China e os países ocidentais. A China levou um mês para fazer lockdow e voltou rapidamente a produzir. Os Estados Unidos terão queda de 3,5% no PIB, a China ganhará 6%. Felizmente, o Trump perdeu as eleições e o novo presidente terá de tratar desta questão de forma mais suave e eficiente. É fundamental que todos os empresários brasileiros acompanhem esta situação e parem de se preocupar com a economia em 2021, que estará normalizada. Teremos aumento de dívida pública, sim, mas isto é de fácil solução, porque o governo tem quadros técnicos muito capacitados. Mas temos um problema, que é a regra de transferência de renda, muito difícil de superar. Teremos de fazer uma revisão constitucional que permita retirar um pouco da pressão financeira sobre o Estado. Deixe de se preocupar com o curto prazo e comece a colocar na rotina da sua empresa reflexões sobre as mudanças.

TranspoData – Há uma preocupação forte no setor empresarial com segurança jurídica, especialmente por decisões do Supremo Tribunal Federal. Como olhar para o futuro com um quadro como este?

Urubatan Helou – Em algum momento, teremos que fazer uma revisão constitucional no sentido de
adequar os poderes e as instituições ao tempo mais contemporâneo. A máxima da democracia está estribada no fato de que o poder emana do povo e, em algum momento, o povo vai exigir que isso ocorra, como demonstrado em 2013. Hoje, precisamos de uma medida que garanta o controle dos gastos obrigatórios, que crescem de forma desordenada. O Estado brasileiro continua crescendo de forma desordenada, engolindo a atividade produtiva. Teremos a reforma tributária, vindo do manto da desburocratização. Mas se não enxugarmos o tamanho do Estado, essa reforma rapidamente será engolida. Por outro lado, a China tem um desenvolvimento absurdo, principal parceiro comercial do Brasil, mas que vem sendo agredido por lideranças. O mesmo vale para os Estados Unidos e a Argentina.

TranspoData – Por que ainda se tem este estigma com a China?

Urubatan Helou – O ser humano tem dificuldade para aceitar o novo. Já tivemos as civilizações grega e romana, a revolução industrial na Inglaterra e nos Estados Unidos. Hoje vivemos sob auspícios da civilização ocidental. Mas a civilização muda de mãos. Em breve, a China será a maior do mundo, porque a economia quebra paradigmas e preconceitos. Nos próximos 40 a 50 anos teremos uma visão mais abrangente do mundo. O crescimento da China poderá levar o desenvolvimento para a África, e pode locado ser efetivamente uma das grandes apaziguadoras dos conflitos pelo mundo.

TranspoData – Os microempresários são em torno de 90% do setor. Este novo sistema de transporte que está ganhando corpo passa a ser oportunidade para este grupo?

Roberto Mira – Sim, esse momento é uma oportunidade não só para o grande e para o pequeno, mas para quem está iniciando a estruturação de um negócio. Mas temos de lembrar que é preciso sempre prestar um serviço de qualidade. Quem se focar com qualidade será demandado com certeza. Existe uma oportunidade muito grande.

TranspoData – Com este e-commerce o que muda no transporte a partir de agora?

Alcides Braga – Se percebe que o Brasil é mais capilar, se consegue chegar a praticamente todas as regiões, o segredo do e-commerce é não segregar. O desafio principal dos operadores é calibrar, com hubs assumindo as grandes cargas rodoviários, e milhares de artérias que irão demandar caminhões de portes menores. Acho que existe uma equação a ser feita para a gente desbravar uma série de situações que irão ocorrer. A intensificação do e-commerce é uma provocação para que as empresas de logística também se reestruturem. A questão é como a empresa consegue ser grande e pequena ao mesmo tempo para colocar
milhares de itens numa carreta para distribuir para milhares de pessoas. O pequeno empreendedor vai ser muito mais demandado. Ele será muito importante, porque a qualidade final da entrega será dele. Eles terão que ser o marketplace de hoje para conectar as pessoas que esperam os produtos. Será importante o processo de rastreamento para que a entrega ocorra no horário combinado. O serviço será a grande vedete do futuro.

TranspoData – Tem algum obstáculo para adaptar as empresas a este novo momento?

Alcides Braga – Sempre tem gargalos. Sempre que se enfrenta dificuldade se cria outros produtos. A explosão do e-commerce pegou muita gente em situação complicada. Mas isto depende da capacidade estrutural de cada ator e da resposta, que precisa ser rápida. Precisa ser inovador, corajoso e a chegada tecnologia 5G criará mais oportunidades e novos atores participando. O trabalho será difícil, não é para fazer experiência, e exigirá mais gente, o que é muito bom.

TranspoData – Como o setor deve se comportar quando vê o cliente exigindo mais qualidade e a infraestrutura segue deficiente? E, em paralelo, se defende investimentos em novos modais?

Roberto Mira – Com muita tranquilidade. O Brasil é um país maravilhoso. Veja a agricultura em constante crescimento, o volume de cargas transportado em alta e a infraestrutura não acompanha estes movimentos. É necessário que se busque outros modais, o rodoviário não será prejudicado, porque o trem não vai até a porta do consumidor. Recentemente teve parlamentar contra a criação da BR do Mar. Como ser contra? Porque o consumidor nordestino precisa pagar mais pelo transporte do que outras regiões? É importante criar e ampliar os demais modais. A greve dos caminhoneiros mostrou aos grandes embarcadores, governo e população a importância da atividade. Não vejo assustador o crescimento dos demais modais. Brasil seguirá crescendo e de forma acelerada. O transportador rodoviário estará sempre à frente, mesmo que perca alguns pontos. O transporte é reconhecido e foi ampliado pela pandemia com o e-commerce. A pandemia trouxe mais cargas e exigiu aumento da estrutura de cada empresa. O brasileiro segue gastando e o transportador é que fará a distribuição. Compramos recentemente 80 novos equipamentos da Truckvan.

TranspoData – O transporte está evoluindo para um serviço de logística personalizado. Você vê isto acontecendo já e considera uma forma sustentável ao longo dos anos?

Roberto Mira – A tendência de fracionar já vem de algum tempo atrás. Há cerca de oito, nove anos atrás abandonamos os carregamentos completos, fomos pioneiros, e o sistema fracionado foi aumentando à medida que o consumidor passava a fazer suas compras diretamente. Com a pandemia, houve uma explosão. Com lockdown, as lojas físicas migraram para as vendas virtuais. Acredito que isto segue forte em 2021, mas não que seja tendência, porque as lojas não irão fechar. Mas o consumidor vai continuar comprando e cada vez mais diretamente. Então, essa logística do e-commerce continuará em alta. Antes, se entregava nas indústrias, lojas e prestadores de serviços, agora entregamos diretamente na casa do consumidor. É uma modalidade que não vai diminuir.

 

Mendonça de Barros
“Deixe de se preocupar com o curto prazo e comece a colocar na rotina da sua empresa reflexões sobre as mudanças”

Urubatan Helou
“Uma coisa é certa: a atividade de transportes não será mais a mesma. Deixará de ser considerada primária, de infraestrutura, para ser fundamental na vida humana, vai entrar na casa das pessoas”

Alcides Braga
“A intensificação do e-commerce é uma provocação para que as empresas de logística também se reestruturem”

Roberto Mira
“O transporte ganhou reconhecimento e foi ampliado pela pandemia com o e-commerce. A pandemia trouxe mais cargas e exigiu aumento da estrutura de cada empresa”

De filhos para pais

 

Ricardo Mendonça – Este ano dá início a uma nova década que promete ter grande importância estratégica para todo o Brasil. O que será preciso fazer para que, de fato,
tenhamos aqui no ambiente positivo de expansão econômica?

Mendonça de Barros – Uma das minhas funções na Foton é exatamente abrir a cabeça do pessoal executivo para um período de maior impacto sobre a vida deles. Tenho procurado passar para eles que, num país como o Brasil, aparecem oportunidades sem sempre percebidas. Quando a Ford resolveu fechar a unidade de caminhões no Brasil surgiu uma rede de revendas que ficou sem produtos para distribuição. Foi quando nos aproximamos mostrando a linha de produtos da Foton e como eram similares. Conseguimos atrair a maioria e a própria entidade que as representa. Isto deu musculatura à nossa rede e os chineses perceberam isto. Tanto que colocaram veículos mais pesados no portfólio. Sempre digo que tem que acordar cedo e olhar para frente para não perder oportunidades. Assim é o Brasil. É cheio de crises, mas fique sempre atento às oportunidades. Os próximos três anos trarão surpresas agradáveis e desagradáveis. Vai depender da atitude de cada um.

Alcides Neto – Se tivesse oportunidade de encontrar o Alcides de 25 anos atrás qual conselho ele daria sobre o que fazer ou não fazer nesta trajetória?

Alcides Braga – A diferença que existe é que sofremos demais enquanto se fazia. A construção da sucessão é complexa, por isso começamos há 10 anos, com prática diária. O meu filho, mesmo com formação na Fundação Getúlio Varga, começou no almoxarifado. Hoje estou no Conselho e ele no comando. É gratificante ver os filhos assumindo o seu negócio, gostando do que você gostava. A vantagem de hoje é que os caminhos são mais curtos pela tecnologia. O conselho é que mantenha a coletividade e a valorização das pessoas, que sempre foi a principal diretriz da companhia.

Roberto Mira Jr. – Como enxerga o transporte para os próximos três anos?

Roberto Mira – Em 2021, completo 50 anos no negócio de transporte. O meu filho está comigo há mais de 20 anos e já aprendeu tudo na atividade. Não tinha intenção de crescer mais, mas a economia e os clientes estão nos forçando a seguir essa caminhada. Teremos muita coisa para fazer. Nos próximos 10 anos estaremos bem à frente de hoje. Sempre fui aquele empresário caipira do interior, que quando sobrava um dinheirinho comprava um terreno ou caminhão, ou construía um galpão. Criamos um colchão de oportunidades para estar preparado para crises. Temos 42 anos de empresa Mira. Investimos em tecnologias de ponta, os filhos já estão bem preparados, o desafio é grande.

Tayguara Helou – O que entende como o principal papel no futuro das empresas de transporte de carga, dos operadores de e-commerce? Como vê a integração entre esses players, as novas tecnologias, inclusive as mais avançadas, como veículos autônomos e estradas inteligentes?

Urubatan Helou – O desenvolvimento tecnológico não é fato novo, ele não está acontecendo agora, é evolutivo. Um amigo, Geraldo Vianna, diz que os países são mais ou menos desenvolvidos segundo a quantidade de conhecimentos que eles conseguem repassar para as próximas gerações. Quanto mais conhecimentos absorvidos maior é o aprimoramento do desenvolvimento. O avanço começou com a descoberta da roda, nós precisamos é colocar fermento em cima daquilo que já existe. O caminhão autônomo será uma realidade, só não sei quando. O mesmo será com as entregas por drones, que precisarão de regulamentos aéreos. Também a distribuição deixará de ter as formas atuais com código de barra e vamos passar a fazer o georreferenciamento. É o que já está ocorrendo com o dinheiro, hoje quase tudo é pago via celular, transferência PIX. O desenvolvimento tecnológico tem que se prestar a sustentar os negócios e, estes, a vida humana, melhorar a qualidade de vida e fazer com que os recursos também possam ser canalizados para pesquisas, que levem ao combate de moléstias.

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